quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

LEVAR a Lei ao Consumidor


Para que o domínio do DIREITO

Seja Deveras Compensador

E não se ludibrie de qualquer JEITO!

(Adaptação parcial do escrito hoje publicado, no Brasil. no Portal do PROCON RS, de Porto Alegre)

 

A informação constitui direito fundamental do consumidor com expressão em múltiplos preceitos das leis ordinárias.

A preocupação pelo domínio pelos consumidores dos seus direitos sobressai de inúmeros instrumentos normativos, seja com a chancela do Parlamento Europeu seja com a do Parlamento português e do seu Governo, no quadro da sua competência legislativa regular.

Direito que se não conhece não se actua.

Direito que se domina permite se evite uma conflitualidade doentia, mórbida, que a ninguém aproveita.

Não vale, na circunstância, a máxima - feita norma – de que “a ignorância da lei a ninguém aproveita nem isenta das sanções nela cominada”!

Não isenta das sanções nem propicia os benefícios que nela se atribuam.

E o drama põe-se exactamente aí.

E, no entanto, de tão complexo é o ordenamento jurídico do consumidor que o legislador europeu insiste, em ensejos distintos, de que os Estados-membros devem pelos meios ao seu alcance proporcionar ao consumidor um efectivo conhecimento do acervo de direitos que se lhe reconhecem.

Vem isto a propósito da ignorância revelada pelos empresários com carta para comerciar que continuam a oferecer, como garantia legal dos bens móveis de consumo dois anos, que não os três da lei que entrou em vigor no dia 1.º de Janeiro do ano em curso.

No plano das garantias dos bens de consumo, a Directiva 1999/44, de 25 de Maio, do Parlamento Europeu e do Conselho de Ministros, que vigorou até 31 de Dezembro de 2021, impunha no seu artigo 9.º, aos Estados-membros que

“[tomassem] as medidas necessárias para informar o consumidor sobre as disposições nacionais de transposição da presente directiva, e [incentivassem], eventualmente, as organizações profissionais a informarem os consumidores dos seus direitos.”

Ora comete, em certa medida também, às associações de interesse económico, representativas dos comerciantes, um tal poder-dever:

que as instituições de empresários assumam a obrigação de informar o consumidor do seu direito.

A lei de transposição de uma tal Directiva para o ordenamento jurídico pátrio (DL 67/2003, de 08 de Abril), sob a epígrafe “acções de informação”, define expressamente, no seu art.º 12, que

“A Direcção-Geral do Consumidor deve promover acções destinadas a informar e deve incentivar as organizações profissionais a informarem os consumidores dos direitos que para eles resultam do presente decreto-lei.”

E, com efeito, ao tempo (com uma versão actualizada em Janeiro de 2009), veio a lume, sob os auspícios do Instituto do Consumidor, mais tarde, Direcção-Geral do Consumidor, um opúsculo com 65 páginas, que em pormenor contempla o regime adoptado.

Mas não nos démos conta de acções, tanto quanto a memória no-lo consente, de acções no terreno, a não ser as que em inúmeras ocasiões a apDC – DIREITO DO CONSUMO -, de Portugal, em particular, a seu modo e com recursos próprios, levou a cabo através dos seus especialistas, de Norte a Sul do País, para além da divulgação extra muros.

Ou então em projectos de informação, mal apoiados pelo Fundo do Consumidor (com dotações mais que insuficientes a tal consignadas), pela apDC desenvolvidos, mas em conjunção de matérias que corriam em paralelo com as que das garantias dos bens relevavam.

A Directiva (2019/771/UE), de 20 de Maio de 2019, que revoga, no acervo da União Europeia, o precedente instrumento normativo de 25 de Maio de 1999, reitera, no seu artigo 20, um tal comando, a saber:

“Informação do Consumidor"

“Os Estados-membros tomam medidas adequadas para assegurar que a informação sobre os direitos dos consumidores ao abrigo da presente directiva e sobre os meios para a aplicação desses direitos esteja à disposição dos consumidores.”

Claro que se parte do pressuposto que os empresários se acham despertos para as inovações legislativas, ao invés do que ocorre, em geral, com os consumidores. E se centra a tarefa na dilucidação dos consumidores. Sem se ignorar que os empresários o são, ou seja, também se revêem na condição e no estatuto do consumidor.

Mas, pelos vistos, aos comerciantes terá escapado a mudança e, de forma acrítica, socorrem-se de ‘sites’ oficiais, a seu modo, sem referências temporais e, nessa medida, borregam, incumprem a lei, a lei nova, no que os seus preceitos inovadores, passe a redundância, se apartam dos velhos cânones.

O que é, a todos os títulos, uma lástima!

O preceito de que se trata (o artigo 20 da Directiva que contempla alguns aspectos da compra e venda dos bens de consumo e dispõe sobre a garantia de tais bens) tem a sua correspondência na Lei Nova (DL 84/2021, de 18 de Outubro, que entrou em vigor no dia 1.º de Janeiro de 2022), que procede à transposição para ordem jurídica interna do aludido acervo normativo mais o que se prende com os contratos de fornecimento de conteúdos e serviços digitais

Com efeito, no seu artigo 50 e sob a epígrafe “Capacitação dos consumidores”, se dispõe:

“A Direcção-Geral do Consumidor promove acções destinadas a informar os consumidores sobre os direitos resultantes do presente decreto-lei e os meios adequados ao seu exercício, em articulação com as demais entidades competentes.”

Com efeito, a “longa manus” do Governo para a política de consumidores – a Direcção-Geral do Consumidor – até promoveu algumas acções de divulgação no período imediatamente anterior ao da entrada em vigor da lei.

Mas nem todos terão assistido a tais sessões, em número limitado e, provavelmente, sem adequada divulgação.

E difundiu uma página com perguntas e respostas que se acham no seu “site”.

É natural que seja insuficiente.

Mal se percebe, no entanto, a razão por que empresas - que ora se socorrem das vias do comércio electrónico para a venda de aparelhos electrónicos - continuem, após o 1.º de Janeiro em curso, a ofertar como garantia legal os dois (2) anos quando a Lei Nova estabelece algo de distinto, a saber,

§ para as coisas móveis duradouras (novas) três (3) anos;

§ para as coisas móveis recondicionadas três (3) anos;

§ para as coisas móveis usadas três (3) anos, conquanto, por acordo, tal possa descer, nunca abaixo, porém, dos 18 meses.

Tamanha distracção de uma mancheia de empresas, tal como pessoalmente o detectámos, é algo de profundamente reverberável e parece não merecer qualquer condescendência.

E quando lhes pretendemos apontar o lapso, o erro crasso em que laboram, tais empresas levam a sua ousadia ao ponto de tenderem a corrigir-nos, remetendo-nos para “sites” desactualizados (e que, entretanto, se não actualizaram) que, com efeito, contêm disciplina só aplicável às aquisições feitas até 31 de Dezembro…

A Lei Nova, que alarga o quadro dos ilícitos de mera ordenação social a situações lesivas dos direitos e interesses dos consumidores, não contempla, ao que parece, esta violação como credora de uma qualquer coima (sanção em dinheiro) e eventualmente das inerentes sanções acessórias.

Mas há que alertar os consumidores para a afectação da garantia abaixo da legal, o que leva uma tal cláusula contratual à nulidade, invocável a todo o tempo e por qualquer interessado e a ser conhecida ex officio (por dever de ofício) pelos tribunais.

A quem aproveita, pois, a ignorância da lei? Neste passo nem sequer se fala de má interpretação… É questão de um prazo de duração, que fora de dois (2) e passou a três (3) anos.

A quem aproveita, então, a ignorância da lei?

"Garantia coxa deixa, no caso, toda a gente roxa"… Roxa de cólera!

A quem aproveita, pois, a ignorância da lei?

Os mais distraídos ficarão com uma garantia menor, se acaso comprarem e, por ignorância, nada reivindicarem.

Nestas situações, beneficiam os fornecedores relapsos e contumazes que lucram na exacta medida em que os consumidores perdem. E lucram mais que proporcionalmente, como se compreenderá!

Urge que a Autoridade de Regulação do Mercado “varra” de alto a baixo as redes e actue contra tais empresas.

Em boa verdade…

 

Mário Frota

Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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