segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

ACCIONAR A GARANTIA COMERCIAL QUANDO A LEGAL AINDA VIGORA?


Caso:

Smartphone  adquirido, em Março, em Coimbra, em casa de referência. Preço elevado. Extensão da garantia: mais 3 anos.

Em Junho, uma avaria.

Garantia accionada, remessa para a marca.

Dias depois, o diagnóstico. Duas deficiências: uma coberta pela garantia, a outra não.

Para reparação na íntegra, custos a meu cargo.

Invoquei o seguro. Que não, que o seguro (extensão da garantia?) só poderia ser “utilizado” uma vez “durante os 12 meses”... !

Aquando da celebração do seguro, nada me disseram.

Obrigaram-me a pagar 54€ para levantar o Smartphone.

Sinto que fui enganada.

Como funciona realmente a garantia?”

 

Solução:

A garantia legal é de 2 anos. E cobre todas, mas todas as não conformidades (defeitos, avarias, vícios…) detectadas durante esse período. A menos que resulte de acto do consumidor ou de terceiro, caso em que será naturalmente afastada.

A garantia é de toda a coisa e da coisa toda. Sem exclusões.

À garantia legal pode acrescer, como no caso, a voluntária (comercial). Que funciona só após expirar a garantia legal.

A garantia voluntária está sujeita à disciplina da Lei das Garantias de Bens de Consumo de 8 de Abril de 2003 (art.º 9.º), a saber:

Deve ser redigida de forma clara e concisa em língua portuguesa.

E conter obrigatoriamente como menções:

v  Nome da empresa e endereço postal (ou electrónico) para uso do consumidor em vista do exercício da garantia;

 v  Declaração de que o consumidor goza dos direitos da legislação aplicável e de que tais direitos não são afectados pela garantia voluntária;

 v  Informação acerca do carácter gratuito ou oneroso da garantia comercial: com a expressa menção, tratando-se de garantia onerosa, dos encargos a suportar pelo consumidor;

 v  Enunciação dos benefícios atribuídos ao consumidor pela garantia, bem como as condições para o seu exercício, em que se incluem os encargos na íntegra, v. g., os relativos às despesas de transporte, de mão-de-obra e de material;

 v  Os prazos da extensão da garantia e o concreto modo de exercício;

 v  O espaço geográfico recoberto pela garantia.


Por conseguinte, a extensão da garantia não se bastará com a celebração do seguro e tem de obedecer às regras enunciadas. Cumprindo ao fornecedor prestar a informação adequada e os esclarecimentos indispensáveis à compreensão dos seus termos.

No mais, as deficiências ora detectadas estariam cobertas pela garantia legal (denunciadas 3 meses após a entrega do aparelho) e não seria devido qualquer montante pela reposição do Smartphone.

Com efeito, a Lei das Garantias estabelece no seu artigo 4.º:

“1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à [extinção] do contrato.
..
3 - A expressão «sem encargos», utilizada no n.º 1, reporta-se às despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material.”

No mais, comete crime de especulação o fornecedor que cobra o que não deve. Crime punido com prisão (6 meses a 3 anos) e multa (não inferior a 100 dias), de acordo com o artigo 35 da Lei Penal do Consumo de 20 de Janeiro de 1984.

Impõe-se a denúncia à ASAE, autoridade de supervisão do mercado em geral e órgão de polícia criminal.

Para além da devolução do montante cobrado indevidamente, pode requer no Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo de Coimbra uma indemnização pelos danos materiais e morais sofridos.

 

Mário Frota

apDC- DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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