I
O PRINCÍPIO-REGRA
PLASMADO
NA LDC – LEI DE DEFESA
DO CONSUMIDOR
A
princípio [em 2014, que a LDC é de 1996…] era assim:
Artigo
9.º-D
Serviços
de promoção, informação ou contacto com os consumidores
1 - A
disponibilização de linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação
jurídica de consumo não implica o
pagamento pelo consumidor de quaisquer custos adicionais pela utilização desse
meio, além da tarifa base, sem prejuízo do direito de os operadores
de telecomunicações facturarem aquelas chamadas.
2 - O disposto no
número anterior não prejudica a aplicação do Decreto-Lei n.º 134/2009, de 2 de
Junho, alterado pelo Decreto-Lei n.º 72-A/2010, de 18 de Junho, em tudo o que
não contrarie a presente lei.
(Introduzido
pela Lei n.º 47/2014, de 28 de
Julho, que transpusera
parcialmente a Directiva n.º 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de
25 de Outubro de 2011).
Formulação aparentemente simples que redundou em inúmeros
equívocos, como se pode apreender dos termos do preâmbulo do diploma que revoga
o dispositivo e verte sobre o regime que entrou em vigor em 01 de Novembro de
2021.
Porém, como se
previne no preâmbulo do DL 59/2021, de 14 de Julho:
“A aplicação do
disposto no referido n.º 1 do artigo 9.º-D tem sido dificultada pela ausência
de um entendimento comum sobre o conceito de «tarifa base», mencionado na sua
redacção. Acresce que enquanto a directiva, na versão portuguesa, fala em
«tarifa de base», o legislador nacional optou por usar a expressão «tarifa
base», o que aumentou as dúvidas interpretativas. Na verdade, enquanto a
expressão «tarifa base» remete para uma ideia de tarifa ideal recomendada para
todos os consumidores, a expressão «tarifa de base» transmite a ideia de tarifa
normal de cada consumidor em concreto.
A propósito deste
conceito, o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no Acórdão n.º C-568/15,
de 2 de Março de 2017, e no âmbito de uma questão prejudicial sobre a aplicação
do artigo 21.º daquela directiva, considerou que o conceito de tarifa de base
corresponde ao custo normal de uma comunicação habitual que o consumidor
esperaria suportar, ou seja, refere -se à tarifa habitual da comunicação
telefónica, sem despesas suplementares para o consumidor. O mesmo Tribunal
concretiza esta ideia, concluindo que o custo ou preço de uma chamada relativa
a um contrato de consumo celebrado, efectuada para uma linha telefónica de apoio
ao cliente, explorada por um profissional, não pode exceder o custo de uma
chamada para uma linha telefónica geográfica fixa comum ou para uma linha
telefónica móvel.
Aquilo que o TJUE
pretendeu foi, portanto, esclarecer que quando o consumidor contacta telefonicamente
o fornecedor de bens ou o prestador de serviços não pode pagar mais do que aquilo
que pagaria por uma chamada normal para um número geográfico ou móvel. Isto
significa, por exemplo, que caso o consumidor disponha de um tarifário que
inclua «pacote de minutos» para qualquer número geográfico ou móvel a chamada
efectuada deve ser descontada no valor de minutos disponível no seu tarifário,
não podendo ser cobrado um valor adicional — só naquela hipótese se pode dizer
que o consumidor está a efectuar uma chamada dentro do custo normal que esperaria
suportar.
Em última análise, o
que se pretende é que o consumidor possa contactar telefonicamente o fornecedor
de bens ou o prestador de serviços sem qualquer entrave ou restrição, no fundo,
que promova tal contacto tal como faz para os demais contactos da sua lista
telefónica, relativamente aos quais sabe que pode ou não pagar essa comunicação
consoante o seu tarifário, sabendo também que nunca suportará um valor que vai
para além de um custo normal.
Por outro lado, a
lei nacional, ao falar em «linha telefónica para contacto no âmbito de uma relação
jurídica de consumo» pode abranger, na sua literalidade, os casos em que a
própria chamada telefónica se traduz na relação jurídica de consumo, como
sucede nos casos em que o serviço prestado ao consumidor é a própria chamada.
Não é, seguramente, intenção da lei a de abranger este tipo de chamadas quando
impõe que o pagamento da chamada não pode ir além da tarifa de base, pelo que
se entende ajustado que as relações abrangidas pela norma fiquem devidamente
delimitadas.
E
agora é assim [de
um artigo simples a um diploma legal complexo], como segue nos passos
subsequentes.
Que estranha forma
de legislar! E de legislar de modo avulso… e talvez inconsequente!
Quantos mais
diplomas se editarem, melhor para os que “pescam
em águas turvas” e fazem das leis algo muito pior que um chapéu de pobre,
mais amarrotado que a mais amarrotada das coisas desprezíveis…
II
OBRIGAÇÃO GERAL DE
INFORMAÇÃO
1.
Indicação
obrigatória dos números de contacto
Os
fornecedores de bens ou prestadores de serviços que operem nos distintos
segmentos do mercado de consumo, sem excepção, e facultem linhas telefónicas
para contacto do consumidor devem divulgar, de forma clara e visível,
§ nas
suas comunicações comerciais,
§ na
página principal do seu sítio na Internet,
§ nas
facturas,
§ nas
comunicações escritas com o consumidor e
§ nos
contratos com este celebrados, quando assumam a forma escrita,
o número ou números telefónicos de contacto,
aos quais deve ser associada, de forma igualmente clara e visível, informação
actualizada do correspondente preço.
2.
Pormenor
A informação acerca
dos números e do preço das chamadas principiará pelas linhas gratuitas e pelas
linhas geográficas ou móveis, apresentando, de seguida, se for o caso, por ordem crescente
de preço, o número e o preço das chamadas para as demais linhas.
3
. Preço único
§ Quando
não for possível apresentar um preço único para a chamada, pelo facto de tal ser
variável em função da rede de origem e da rede de destino, deve, em
alternativa, ser prestada a seguinte informação, consoante o caso:
§ «Chamada
para a rede fixa nacional»;
§ «Chamada
para rede móvel nacional».
II
LINHAS TELEFÓNICAS DO
FORNECEDOR DE BENS
OU DO PRESTADOR DE
SERVIÇOS
1. Limitação de custos
O custo, para o
consumidor, das chamadas efectuadas para as linhas telefónicas facultadas pelo
fornecedor de bens ou pelo prestador de serviços, para os necessários contactos,
no âmbito de uma relação jurídica de
consumo, não pode ser superior ao valor da sua tarifa de base.
2. Glossário: significados
2.1.
Fornecedor
Por fornecedor se
entende quer o fornecedor de bens propriamente dito como o prestador de
serviços no âmbito de uma relação jurídica de consumo.
2.2.
Entidade que preste serviços públicos
essenciais
Por tal se entende a
empresa que dispense serviços, designadamente ps de fornecimento de água, de
energia eléctrica, de gás natural e de gases de petróleo liquefeitos
canalizados, de comunicações electrónicas, de serviços postais, de recolha e
tratamento de águas residuais, de gestão de resíduos sólidos urbanos e de
transporte de passageiros, bem como outros que como tal venham a ser
qualificados.
2.3.
‘Contacto telefónico no âmbito de uma
relação jurídica de consumo’
Considera-se como tal o contacto telefónico
promovido por um consumidor com um fornecedor.
Não
se consideram como tal as chamadas telefónicas que constituem uma prestação de
serviço autónoma, que não esteja relacionada com o fornecimento de qualquer bem
ou a prestação de qualquer serviço prévios ao consumidor, designadamente as chamadas
de telemedicina e de televoto e as destinadas
a campanhas de angariação de fundos.
2.4.
Tarifa de base
Por «tarifa
de base» se entende o custo de uma comunicação telefónica comum que o
consumidor espera suportar de acordo com o respectivo tarifário de
telecomunicações.
3. Linha telefónica gratuita: gratuita ou onerosa?
O fornecedor obriga-se
a facultar ao consumidor uma linha telefónica gratuita ou, em alternativa, uma
linha telefónica a que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.
4. Proibição do cobrança adicional
Tratando-se chamadas
que constituam uma prestação de serviço autónoma, como se define no ponto 3,
não podem ser cobrados ao consumidor, simultaneamente, o preço da chamada e um
outro adicional pelo serviço prestado, cabendo-lhe pagar tão só um preço único
pela chamada efectuada.
5. Serviços Públicos Essenciais: obrigações a que se adscrevem
A entidade que
preste serviços públicos essenciais é obrigada a tornar acessível ao consumidor
uma linha para contacto telefónico, gratuita ou, em alternativa, uma outra a
que corresponda uma gama de numeração geográfica ou móvel.
III
LINHAS TELEFÓNICAS
ADICIONAIS
1. Restrições
Sempre que, para
além da linha telefónica gratuita ou da que corresponda a uma gama de numeração
geográfica ou móvel, se faculte uma linha adicional, o fornecedor e a entidade que
preste serviços públicos essenciais não podem, em tal linha, dispensar um
serviço manifestamente mais eficiente ou mais célere ou com melhores condições
do que o que prestam através da linha gratuita ou da que corresponda uma gama
de numeração geográfica ou móvel.
IV
PROIBIÇÃO DE COBRANÇA
PRÉVIA DE OUTROS MONTANTES
O fornecedor e a
entidade que opera nos serviços públicos essenciais, obrigados que se acham a proporcionar
o acesso a uma linha telefónica gratuita ou uma outra a que corresponda uma
gama de numeração geográfica ou móvel, estão impedidos de cobrar, previamente,
ao consumidor qualquer montante diverso do permitido, sob a condição de lhe ser
restituído tal valor no final da chamada.
V
LINHAS TELEFÓNICAS
DISPONÍVEIS AOS CIDADÃOS
NOS SERVIÇOS PÚBLICOS EM
GERAL E
NOS SERVIÇOS PÚBLICOS
ESSENCIAIS, EM PARTICULAR
O diploma que deu à estampa o regime legal cuja
transcrição precede, modificou o teor do artigo 9.º da Lei 7/2020, editada em
pleno estado de emergência devido ao surto pandémico com que nos confrontámos
[ou ainda nos confrontamos].
Eis os seus termos actuais:
Lei
7/2020, de 10 de Abril
Artigo
9.º
Linhas
telefónicas
1 - As entidades
públicas estão impossibilitadas de disponibilizar:
a) Números especiais
de valor acrescentado com o prefixo «7», para contacto telefónico dos
consumidores;
b) Apenas números
especiais, números nómadas com o prefixo «30», ou números azuis com o prefixo
«808», para contacto telefónico dos consumidores.
2 - Todas as
entidades públicas que disponibilizam linhas telefónicas com números especiais,
com os prefixos «808» e «30», devem proceder à criação de uma alternativa de
números telefónicos com o prefixo «2», no prazo máximo de 90 dias, a contar da
data de entrada em vigor da presente lei.
3 - São abrangidas
pelo presente artigo as entidades que estejam integradas na Administração
Pública central, regional ou local e as empresas concessionárias da Administração
Pública central, regional ou local.
4 - Tendo em conta a especificidade do serviço
prestado pela linha SNS 24, o Ministério da Saúde deve no prazo máximo de 60
dias, a contar da data de entrada em vigor da presente lei, substituir o número
do SNS 24 de prefixo «808» por um número especial, assegurando a sua total
gratuitidade para os utentes.”
O facto é que,
Volvido todo este
tempo [de 09 de Junho de 2020 a finais de Agosto de 2022], o número do SNS 24 continua a ser o 808 24 24 24.
E nos lugares da
Rede onde a informação é prestada, lê-se ainda:
“A Linha SNS 24, disponibiliza:
Triagem,
Aconselhamento e Encaminhamento em situação de doença, acessível através do
telefone 808 24 24 24 (custo chamada
local), ou via chat para pessoas com necessidades especiais;
Aconselhamento
Terapêutico para esclarecimento de questões e apoio em matérias relacionadas
com medicação, através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local);
Assistência em Saúde
Pública, nomeadamente temas relacionados com a Gripe, Verão/Calor e
Emergências/Intoxicações, acessível através do telefone 808 24 24 24 (custo chamada local), formulário de contacto, correio
electrónico e fax;
Informação Geral de
Saúde, nomeadamente a localização das unidades de saúde englobadas na rede de
prestação do Serviço Nacional de Saúde, bem como farmácias, acessível através
do telefone 808 24 24 24 (custo chamada
local), formulário de contacto, correio electrónico e fax.”
Seria
imperioso se pusesse ordem no caos.
E
se economizasse nas leis e nas confusões instaladas um pouco por toda a parte.
A chamada é gratuita
ou tem preço? Em que ficamos?
As chamadas no
quadro de uma relação jurídica de consumo são onerosas ou gratuitas?
VI
O CASO EXCEPCIONAL NO ÂMBITO DAS
REIVINDICAÇÕES AO ABRIGO DA LEI DAS GARANTIAS DOS BENS DE CONSUMO
Se, no entanto, o consumidor se socorrer do telefone para deduzir
a sua reclamação ante a não conformidade do bem adquirido face às prescrições
da Lei das Garantias dos Bens de Consumo, o n.º 2 do seu artigo 18 estabelece:
“A reparação ou a substituição do bem é efectuada:
a) A título gratuito;
b) Num prazo razoável a contar do momento em que
o profissional tenha sido informado pelo consumidor da falta de conformidade;
c) Sem grave inconveniente para o consumidor,
tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que o consumidor os
destina.”
A expressão ‘a
título gratuito’ tem sentido e alcance próprios, tal como resulta da lei:
E quer significar [DL 84/2021: alínea a) do artigo 2.º], à semelhança de
expressão homóloga da Lei Anterior, a saber, “sem encargos”:
“livre
dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade,
nomeadamente o custo de porte postal, transporte, mão -de -obra ou materiais.”
Ora, as chamadas efectuadas com um tal propósito,
e a esse título, não podem ser objecto de cobrança ao consumidor, para se ser
rigoroso.
Terão de ser gratuitas… sem mais!
Mário Frota
Presidente
emérito da apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Portugal