A
orientação consistente na jurisprudência deste Supremo Tribunal em
torno do significado da habitual condenação na sentença, por recurso à
expressão “no pagamento de juros à taxa legal”, quando desprovida
de outro referencial,( como seja a abordagem /discussão da matéria no
processo, ou o específico pedido do Autor, não por ser uma empresa
comercial, que indiciem o contrário e se limitou a pedir “juros
legais”), os juros que podem ser objeto de execução, são os que decorrem
da aplicação do artigo 559.º do CC; ou seja, os juros de mora às taxas
aplicáveis às operações civis, não competindo na execução/embargos
debater se na acção declarativa estavam presentes os requisitos para o
pedido dos juros comerciais.
Entre os mais recentes arestos, destacamos o Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça de 19.03.2024, tirado nesta secção, justamente, no apenso (D) de embargos deduzidos pela co -executada P..., S.A., tendo subjacente a mesma sentença/acórdão em execução do caso em análise, e embargada a co executada P..., S.A.. [No proc. nº258/09.0TNLSB-D. L1.S1, relatado por Maria da Graça Trigo, que integra o colectivo; cfr. o relatório “1. Mutuamar – Mútua de Seguros dos Armadores da Pesca de Arrasto, exequente nos autos apensos, a qual transmitiu os seus activos e passivos à Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A. (conforme resulta do Aviso n.º 1516/2010, publicado no DR, 2ª Série, n.º 15, de 22/01/2010), instaurou execução contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e P..., S.A., visando, além do mais, obter desta última executada o pagamento do quantitativo de € 55.749,42, correspondente ao valor dos juros que a mesma executada não pagou e que, alegadamente, foi condenada a pagar por sentença transitada em julgado. (..)executada P..., S.A. opôs-se à execução e à penhora, alegando, em síntese, que efectuou o pagamento dos juros legais devidos à taxa de 4%, considerando não ter de efectuar o pagamento de juros à taxa legal comercial por não existir título executivo para tal pedido.”]
Ao diferendo suscitado sobre o alcance da expressão - Juros legais a liquidar sobre a quantia devida, naquele aresto, após a avaliação de todos os indicadores do processo declarativo e título executivo, concluiu-se que os juros de mora correspondem aos juros de mora às taxas aplicáveis a operações civis. [Naquele proc. nº 258/09.0TNLSB-D. L1.S1; no mesmo sentido, entre outros, o Acórdão do STJ de 7.3.2023, também citado no acórdão recorrido, no proc. nº 814/13, in www.dgsi.pt.]
Já anteriormente o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 27.09.2022 decidiu sobre esta questão no mesmo sentido. [P. 11/21.2T8SRE-A., S1, in sumários do STJ.]
Ajuizamos,
por conseguinte, aquele mesmo título - sentença/acórdão- dado à
execução e subjacente à acção declarativa, na qual a Autora Mutuamar –
Mútua de Seguros dos Armadores da Pesca de Arrasto, que transmitiu os
seus activos e passivos à Lusitânia, Companhia de Seguros, S.A, veio
instaurar execução contra Fidelidade – Companhia de Seguros, S.A. e
P..., S.A., visando, além do mais, obter desta última executada o
pagamento do quantitativo de € 55.749,42.
Desde
logo, o título executivo não permite inferir que esteja em causa o
pedido de juros comerciais ou que a sentença/acórdão a tal vinculasse a
executada.
O pedido de juros à taxa comercial não foi formulado na acção, matéria da disponibilidade das partes; note-se que a embargante não recorreu do acórdão que serve de título em execução, não arguiu nulidade processual, nem formulou ampliação de pedido. [ Tudo faz crer que perante a discordância da(s) executada(s) na instância da oposição, caso a exequente pretendesse fazer valer a taxa de juro comercial na acção declarativa, ora título exequendo, nela suscitaria o tema, o que não sucedeu, falhando a discussão pelas partes, e, portanto, inviabilizou a pronúncia adrede pelo tribunal.]
De
outro passo, a discussão ora suscitada acerca da natureza comum ou
comercial dos juros de mora devidos pela executada Fidelidade, gerada
pela concretização do risco por ela assumido através de um contrato de
seguro celebrado com a Ré/segurada no pagamento da indemnização em que
foi condenada, configura, a nosso ver, matéria que teria de ser
discutida na acção declarativa, e da qual não cabe indagar no âmbito da
oposição à execução.
Sempre
se dirá, porém, que em nosso entender, o pagamento de uma indemnização
emergente de responsabilidade civil extracontratual deve ser sancionada,
na falta de convenção em contrário, com a aplicação de taxa de juros
civis e não da taxa de juros a que se refere o § 3.º do art.º 102.º do
Código Comercial, ainda que o credor e os devedores sejam empresas
comerciais, como são as seguradoras ; ou dito de outra forma, o atraso
no cumprimento da obrigação de indemnização e da função substancial
atribuída ao capital indemnizatório, (prestação pecuniária) é reparado
pelo adicional de juros de mora -art.º 806.º- que na ausência de
elemento diverso , corresponde supletivamente aos juros legais civis,
previstos no artigo 559.º do Código Civil.
Acresce outro elemento a ter em conta.
O
Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17.2, em cumprimento da Directiva n.º
2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Junho, alterou
a redação do art.º 102.º do Código Comercial, que expressamente excluiu
do seu âmbito de aplicação “os juros relativos a outros pagamentos que
não os efectuados para remunerar transacções comerciais” (alínea b) do
n.º 2 do art.º 2º do Dec.-Lei n.º 32/2003) e “os pagamentos efectuados a
título de indemnização por responsabilidade civil, incluindo os
efectuados por companhias de seguros” (alínea c) do n.º 2 do art.º 2.º).
Por
último, o argumento da abrangência dos juros de mora à taxa supletiva
comercial por apelo o artigo 703º, nº2, do CPC que dispõe - «consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante».
Conforme se precisou no Acórdão do STJ proferido no apenso D, que vimos acompanhando - «(…)
a disposição não apenas nada estabelece quanto à determinação da taxa
de juros aplicável, quanto se reporta a títulos executivos – no caso,
sentenças judiciais – que não incorporam qualquer decisão em matéria de
juros e não, como sucede no caso dos autos, a títulos executivos que
reconhecem o direito aos juros.»
Na
linha da orientação propugnada pelo Supremo Tribunal de Justiça, em
casos paralelos ao dos autos, remetemos para a fundamentação relevante
do citado Acórdão do STJ de 19.03.2024, cujas considerações são
plenamente transponíveis para este recurso:
«Na acção declarativa que culminou com a decisão judicial dada à execução, foi formulado o seguinte pedido: «Nestes termos, deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e por via dela, ser a R. condenada a pagar à A. a quantia peticionada de (...), acrescida de juros vincendos, bem como custas e o mais legal. (...)».
Sendo que, no último artigo da petição inicial (artigo 69), a pretensão relativa ao pagamento de juros, foi assim enunciada:
«A esta quantia deverão acrescer juros, à respectiva taxa legal, desde a data da citação até à data do integral pagamento.».
Afigura-se
que o segmento decisório do acórdão dado à execução se encontra em
conformidade com o teor literal do pedido («condeno a Ré P..., S.A. a
pagar à Autora a quantia de 150.000,00 €, acrescida de juros, calculados
à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento»). E,
uma vez que se verifica que em momento algum a petição inicial se refere
à natureza (comercial ou civil) da obrigação da ré P..., S.A., tampouco
a utilização, no artigo 69.º da p.i., da expressão «respectiva taxa
legal», permite retirar a ilação de que os juros peticionados o foram à
taxa comercial.
Temos,
assim, que, no caso dos autos, e diversamente do alegado pela
recorrente, a diretriz interpretativa assente no princípio do pedido não
permite chegar a qualquer conclusão segura.
No
caso sub judice, também a diretriz interpretativa assente na ponderação
do iter genético da decisão judicial dada à execução se mostra inútil.
Com efeito, analisado o processado na acção declarativa, verifica-se que
nele não existe qualquer referência, menos ainda, discussão ou
pronúncia, a respeito da questão da taxa de juros aplicável.
Acompanham-se, deste modo, as palavras do acórdão recorrido:
«No
esforço de exegese do dispositivo do acórdão em causa ressalta a falta
de elementos que permitam estribar uma interpretação sólida e atendível.
Com efeito, nos articulados a questão dos juros comerciais não foi
objeto de discussão, atento os termos textuais utilizados na formulação
do pedido, os quais foram espelhados literalmente no dispositivo da
sentença bem como do subsequente acórdão. No acórdão em causa, não houve
qualquer análise e discussão sobre se os juros devidos eram apenas os
civis ou se, pelo contrário, eram devidos juros comerciais. A
única discussão que foi enunciada foi sobre o momento a partir do qual
eram devidos os juros [(“A apelante subordinada (Autora) pugna pela
condenação da interveniente Fidelidade a pagar juros desde a citação da
Ré P..., S.A. e não apenas desde a citação da interveniente (conclusão
XXIV). / A interveniente Fidelidade celebrou contrato de seguro de
responsabilidade civil profissional com a Ré P..., S.A., sendo que o
obrigado a indemnizar é a segurada, cujo risco é coberto pela obrigação
de indemnizar terceiros por parte da seguradora – cf. Artigo 137º da Lei
do Contrato de Seguro. Tratando-se de responsabilidade civil por facto
ilícito, a devedora (Ré P..., S.A.) constitui-se em mora desde a
citação, nos termos da segunda parte do nº3 do Artigo 805º do Código
Civil.”).].
Diversamente
do entendimento da exequente embargada, ora recorrente, estando em
causa a interpretação de uma decisão transitada em julgado, a
averiguação do iter genético da decisão não pode ser completada com a
convocação, análise ou apreciação de elementos não considerados na acção
declarativa. Por esta razão, soçobra a extensa argumentação – tanto de
direito substantivo como relativa às regras de competência judicial
especializada – aduzida pela recorrente em prol do reconhecimento da
natureza comercial das relações jurídicas entre as intervenientes no
sinistro coberto pelo seguro, e entre estas e as respectivas
seguradoras.
Temos,
pois, que, na interpretação do título executivo em causa, e tal como
entendeu o tribunal a quo, o único critério interpretativo efectivo
consiste na determinação do sentido objectivo da decisão condenatória: a
decisão de condenar a ré P..., S.A. a pagar à autora a quantia de €
150.000,00 «acrescida de juros calculados à taxa legal desde a citação
até integral pagamento. (..)»
A
questão de direito e o núcleo factual essencial nos presentes autos
coincidem com o objecto apreciado no acórdão em destaque e a recorrente e
embargante não aduziu motivação adicional ou diferenciada que
justifiquem outro sentido decisório.
Neste
contexto, acolhemos na íntegra a solução adoptada, em consonância com a
exigência da aplicação uniforme do direito plasmada o artigo 8º, nº 3,
do Código Civil: “nas decisões que proferir, o julgador terá em
consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de
obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito.”
*3. [Comentário]
O acórdão do STJ segue a orientação tradicional sobre a matéria. Há, no
entanto, boas razões para alterar radicalmente essa orientação, dado
que o problema não é de interpretação da sentença, mas de aplicação da
lei. Algumas das razões que justificam o abandono da orientação
tradicional foram referidas aqui.
MTS










