(15 de Abril de 2024)
Três Códigos e não
mais…
Um Código de Contratos
de Consumo, um Código Penal de
Consumo, um Código de Processo de
Consumo (ou, de forma menos ambiciosa, de Processo Colectivo)… eis o que de
todo carece o ordenamento jurídico de consumidores em Portugal.
Um Código de Processo
Colectivo.
Falemos da necessidade de um código do estilo:
Já nos manifestámos nestes termos: “a análise da acção
colectiva em Portugal não é processo nem simples nem isento de escolhos; sob a
denominação corrente de acção colectiva se descortinam distintos meios
processuais tendentes à tutela de interesses e direitos de dimensão transindividual
(a saber, individuais homogéneos, colectivos “stricto sensu” e difusos).”
Deparam-se-nos, em Portugal, desnecessariamente, múltiplas figuras
a recobrir as modalidades da acção colectiva (“class action”) em confusão que a ninguém aproveita:
a acção popular em que, de par com
domínios outros, se envolve o acervo de interesses e direitos colectivos (em
sentido lato) dos consumidores ;
a acção inibitória especial, introduzida
em 25 de Outubro de 1985, como meio idóneo para a prevenção e repressão de cláusulas
abusivas apostas em formulários em circulação e mais suportes;
a “acção inibitória” com análogo escopo, recortada nos artigos 7.º e 8.º da Directiva
93/13/CEE, de 5 de Abril de 1993;
a acção inibitória cuja consagração em geral decorre da LDC – Lei-Quadro de
Defesa do Consumidor, em vigor, tendente à prevenção, correcção e cessação de
práticas lesivas dos direitos dos consumidores a que se acha acoplada a
vertente indemnizatória ou compensatória.
A acção inibitória de que se trata substituiu o molde da
acção civil pública que a LDC de 22 de Agosto de 1981 previu: ao longo de 15 anos, nem uma só vez se
instaurou, entre nós, uma tal acção, a despeito de sucessivas violações de
massa tempestivamente denunciadas e que não mereceram do Ministério Público,
titular único da acção, eventual impulso processual.
De par com situações outras, a acção popular surge ainda como meio processual ajustável às
violações da Lei da Concorrência
(Lei 23/2018, de 05 de Junho: artigo 19) ou da Carta Portuguesa de Direitos Fundamentais na Era Digital
(Lei 27/2021, de 17 de Maio: artigo 21)
Surge, depois, a nova acção colectiva europeia (com a vertente reparatória a acrescer à
inibitória, do antecedente plasmada na directiva original), tal como o estatui a Directiva 2020/1828, de 25 de
Novembro de 2020, transposta para o direito interno pelo Decreto-Lei n.º
114-A/2023, de 05 de Dezembro.
Detecta-se ainda uma variante
da acção inibitória, hoje também ao alcance dos concorrentes, a que se
outorga legitimidade processual de molde a prevenir ou a fazer sustar práticas
comerciais desleais que se insinuem no mercado em seu detrimento (DL 57/2008,
de 26 de Março: artigo 16).
De assinalar que a Directiva 2020/1828, de 25 de Novembro de
2020 e o Decreto-Lei 114-A/2023, de 05 de Dezembro, revogaram,
respectivamente, a ‘acção em cessação’ e
a acção inibitória “tout court” (europeia) que a Lei 25/2004, de 08 de Julho,
transpusera para o ordenamento português.
Este complexo emaranhado de acções, dir-se-ia antes, a ‘algaraviada’
com que nos confrontamos obrigaria um legislador, minimamente desperto, a
empunhar a pena e -de uma ‘penada’ só - a expurgar as excrescências, reduzindo o acervo ao seu
núcleo essencial.
Não nos poderemos bastar com um só tipo de acção colectiva
com variantes ajustáveis às distintas
hipóteses susceptíveis de se recortar? Num aperfeiçoamento adequado do
ordenamento jurídico-processual?
Não se ignore que a acção inibitória geral que na Lei-Quadro
de Defesa do Consumidor se consagrou em 1996 jamais se regulamentou: a situação
de vazio perdura, pois, dir-se-ia, criminosamente, há 28 anos…
Um desprezo inadmissível. Uma clamorosa lacuna por colmatar…
conquanto haja quem propenda a sugerir que há que seguir aí os trâmites da
acção popular.
Quem fará a Torre de Babel pronunciar-se a uma só voz e num só idioma?
O legislador pátrio parece, porém, arredado deste tipo de
preocupações.
Aos consumidores e suas instituições (autênticas, autónomas e
genuínas) deparar-se-ão, entretanto,
escolhos sobre escolhos e os vendilhões do templo prosperarão…
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Portugal