De uma advogada de Coimbra:
“Na semana passada, deu a saber qual a posição da
Ordem dos Advogados a propósito do financiamento, em dados termos, das acções
colectivas pelos ora denominados Fundos-abutres. A pergunta que se suscita é a
seguinte: proíbe o Estado uma tal prática ou, não a proibindo, permite-a sem
quaisquer limites?”
1. Excelente
a questão, porque terça-feira última (05), em suplemento à I série do Diário da
República, veio finalmente a lume o regime da Acção Colectiva constante de uma
Directiva europeia de 25 de Novembro de 2020. E aí, com efeito, de modo
implícito, o legislador permite um tal financiamento. Só que com limites
rígidos.
2. Eis
o que no DL 114-A/2023 define no n.º 1 do seu art.º 10.º:
“No
caso de celebração de acordo de financiamento …, o demandante fornece ao
tribunal cópia autenticada do acordo, redigido de forma clara, facilmente
compreensível e em língua portuguesa, devendo incluir os seguintes elementos:
a)
Uma síntese financeira [com] as fontes de financiamento [destinadas a] apoiar a
acção colectiva;
b)
As diferentes custas e despesas … suportadas pelo terceiro financiador.”
3.
“Sempre que o acordo de financiamento seja objecto de alterações, aditamentos
ou convenções adicionais ou acessórias o demandante apresenta ao tribunal … a
nova versão.” (n.º 2)
4.
O acordo de financiamento deve garantir a independência do demandante e a
ausência de conflitos de interesses.
5.
“O demandante é independente do terceiro financiador se for exclusivamente
responsável [pelas] decisões [da e na] acção
colectiva, … em defesa dos interesses em causa, [a saber,] pela escolha dos
mandatários judiciais, definição da estratégia processual e, ainda, [por] intentar,
prosseguir, desistir, transigir, recorrer ou não … e, em geral, [nela] praticar
ou não … qualquer acto processual.” (n.º
4)
6.
“O [terceiro] financiador… não pode
impor, impedir ou influenciar por qualquer forma [tais] decisões, sendo nulas
quaisquer cláusulas em … contrário, nomeadamente as que imponham qualquer
autorização ou consulta … antes de uma tomada de decisão ou que associem uma
consequência desvantajosa para o demandante à tomada de qualquer uma dessas
decisões.” (n.º 5).
7.
“O acordo de financiamento … não pode prever uma remuneração do financiador … para
além de um valor justo e proporcional, avaliado à luz das características e factores
de risco da acção colectiva em causa e do ‘preço de mercado’ (?) de tal
financiamento.” (n.º 6).
8.
São inadmissíveis as acções colectivas [suportadas por um] acordo de
financiamento se, ao menos, um dos demandados … [for] concorrente do
financiador ou … entidade [dele] dependente. (n.º 7).
9.
Se ocorrer a violação do que precede, cumpre ao tribunal convidar o demandante,
em dado prazo, a recusar ou alterar o financiamento de forma a garantir a
observância da(s) norma(s) violada(s): declarará
a ilegitimidade activa do demandante
se as alterações se não efectuarem. (n.º 8).
10.
Se for denegada a legitimidade activa do demandante, tal rejeição não afectará
os direitos dos titulares dos interesses em causa, cabendo ao Ministério
Público substituir-se ao demandante na prossecução da acção (n.º 9).
EM CONCLUSÃO:
a. O
legislador português, socorrendo-se de uma norma supletiva da Directiva “Acção
Colectiva” (“caso uma acção
colectiva para medidas de reparação seja financiada por um terceiro, na medida
em que o direito nacional o permita…”) consente agora, sem rebuços, no financiamento por terceiros das acções
de um tal jaez (DL 114-A: n.º 1 do artigo 10.º).
b. Ponto
é saber se tal norma não viola qualquer preceito constitucional.
c. A
mancheia de restrições a um tal financiamento tempera os excessos de tantos dos
acordos celebrados por instituições que, entre nós, deles se socorriam para
instaurar as acções, avantajando os próprios Fundos ávidos de receitas
decorrentes das indemnizações arbitradas pelos tribunais.
d. No
limite, se os acordos forem excessivos ou leoninos, a recondução aos termos
legais impor-se-á ou perderão a legitimidade processual activa as instituições
que se propuserem desencadear as acções colectivas em causa.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal