Manuel de Andrade, numa célebre Oração de Sapiência na
abertura do ano académico, em Coimbra, no recuado ano de 1953, interrogava-se
acerca das leis: “clareza para quem? Para o leigo ou profano ou para os
juristas?” E respondia, sem tibieza nem tergiversações: clareza para os
juristas!
Claro que se referia à feitura das leis, algo bem mais
simples nos anos em que a “motorização legislativa” ainda não havia tomado
conta do ‘Condado’…
Jean Calais-Auloy, o pai-fundador do Direito do Consumo,
indagava do mesmo passo, a propósito das regras que preenchem este novel ramo
de direito, se a clareza não deveria ornar o direito do quotidiano, que é o
direito de uso corrente, o das relações jurídicas do consumo. E propugnava a
clareza das leis para os seus destinatários, os consumidores.
O facto é que as leis que se vertem diariamente neste domínio
nem são, em geral, claras para os juristas e menos ainda para os cidadãos que
delas carecem no seu quotidiano deambular.
E com a profusão de leis “fabricadas” na União Europeia e a
péssimas traduções que servem de modelo às transposições para o direito
nacional, pior ainda.
E não há um esforço para as simplificar. E para as
descodificar.
Basta tomar, como exemplo, uma qualquer lei para se concluir
nesse sentido.
Poderemos eleger a lei das comunicações electrónicas,
destacando do seu artigo 120, os dois primeiros incisos (n.ºs), e ver-nos-emos
em palpos de aranha pelo “embrulhado de termos” e seu cantar arrastado:
“1 — As empresas que oferecem serviços de comunicações
electrónicas acessíveis ao público, com excepção dos serviços de transmissão
utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, devem, previamente à
celebração de um contrato, disponibilizar ao consumidor as informações
referidas no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de Fevereiro, e no
artigo 8.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, consoante estejam, ou não, em
causa contratos celebrados à distância ou fora do estabelecimento comercial.
2 — As empresas que oferecem serviços de comunicações
electrónicas acessíveis ao público, com excepção dos serviços de transmissão
utilizados para a prestação de serviços máquina a máquina, disponibilizam ainda
ao consumidor, no mesmo momento, de forma clara e compreensível, num suporte
duradouro ou, quando um suporte duradouro não for exequível, num documento
facilmente descarregável disponibilizado pela empresa, as informações
constantes do anexo III à presente lei, da qual faz parte integrante, na medida
em que se apliquem aos serviços que oferecem.”
Se transcrevêssemos os 12 números do artigo, duplicaríamos o
espaço que os jornais nos consentem para publicação, num incrível arrazoado sem
fim.
E a ‘lenga-lenga’, quando se fala das empresas, é sempre a
mesma…
Se formos à lei da “compra e venda dos bens de consumo”, ao
artigo que contempla o prazo de garantia, damo-nos conta dos ‘tiques e
arrebiques’ que poderiam ser simplificados:
“1 — O profissional é responsável por qualquer
falta de conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da
entrega do bem.
2
- … (um extenso n.º 2 com garantia dos bens com elementos digitais)
3 — Nos contratos de compra e venda de bens móveis usados e
por acordo entre as partes, o prazo de três anos previsto no n.º 1 pode ser
reduzido a 18 meses, salvo se o bem for anunciado como um bem recondicionado,
sendo obrigatória a menção dessa qualidade na respectiva factura, caso em que é
aplicável o prazo previsto nos números anteriores.
…”
Seria mais simples assim:
. garantia dos bens novos, recondicionados e usados: 3 anos;
. nos usados, por acordo, admite-se uma redução nunca
inferior a 18 meses.
E, depois, de forma sintética, a alusão aos bens com
elementos digitais.
No
escrito anterior mostrámos que as leis avulsas acerca do “quem cala não consente”, poderiam ser simplificadas se tivesse
havido a pretensão de elaborar um código com todos os ss e rr . Cinco domínios,
cinco artigos, alguns basto extensos, quando um só chegaria para regular as
relações, todas as relações ali abrangidas…
Mas
forças ocultas lá entendem que quanto mais extenso, mais prolixo, mais confuso,
melhor!
E
Viva a República ‘dos’ bananas com esta plêiade de ‘sacanas’, parafraseando
El-Rei D. Carlos!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal