E
OS ‘RECONDICIONADOS’
NÃO
SERÃO REABILITADOS?
“A
EUROCUPON, empresa radicada no Porto, que é hábil em mensagens atractivas para
ludibriar o consumidor, anda a propagandear computadores marca HP (?) por € 49, cujo preço
original é de € 249, já que se trata de
equipamentos recondicionados.
Mas,
como garantia, para que as pessoas saibam da “seriedade de propósitos”,
oferece, nada mais nada menos, que 1 (um) ano: um ano de garantia!
Pergunta-se:
a garantia não devia ser a dos usados, que agora é, ao menos, de ano e meio (de
dezoito meses)? Porque, afinal, é de um usado que se trata…”
E os ‘recondicionados’
Co’ uma coxa garantia
Andam pr’ aí encalhados
Sem préstimo nem valia…
Apreciada a concreta
hipótese de facto (e as imagens suporte da publicidade), eis que cumpre emitir
opinião:
1. Entendamo-nos:
conceitualmente, bem recondicionado não
é o mesmo que usado; recondicionados são, segundo a lei, os bens
previamente utilizados ou que hajam sido objecto de devolução e, após
inspecção, preparação, verificação e testagem por um “expert”, de novo são
colocados, nessa qualidade, no mercado
para venda”.
2. A
LCVBC - Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo de 2021, que entrou em
vigor a 1 de Janeiro de 2022, ampliou a garantia legal dos bens novos de
consumo, que era anteriormente de dois [2] anos (Lei de 2003), para três [3] anos.
3. A
disposição em que tal radica é o n.º 1 do seu artigo 12, que estatui:
“O
profissional é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no
prazo de três [3] anos a contar da entrega do bem.”
4. Há,
porém, regra distinta no que toca aos bens usados, que do antecedente poderiam
beneficiar, por acordo, de uma garantia não inferior a um (1) ano.
5. Com
efeito, na primeira parte do n.º 3 do artigo 12 se estabelece:
“Nos
contratos de compra e venda de bens móveis usados e por acordo entre as partes,
o prazo de três anos previsto no n.º 1 pode ser reduzido a 18 meses…”
6. Logo,
no domínio da lei vigente, a garantia de usados pode ser negociada, sendo que
há um limite legal: nunca poderá ser fixada aquém (abaixo) dos 18 meses.
7. No
que toca, porém, aos recondicionados, a
segunda parte do n.º 3 do artigo 12 da Lei em apreciação define:
“salvo
se o bem for anunciado como um bem recondicionado, sendo obrigatória a menção
dessa qualidade na respectiva factura, caso em que é aplicável o prazo previsto
nos números anteriores.”
8. Ora,
o prazo assinado será então de 3 (três) anos para os bens recondicionados, sem
tirar nem pôr, sem qualquer hipótese de negociação: o prazo legal é imperativo,
é para valer sejam quais forem as circunstâncias.
9. Por
conseguinte, a pretensa garantia de um (1) ano para o HP… ter-se-á de
reconduzir aos 3 (três) anos.
10. Havendo
sanções para a violação de um sem-número de preceitos da lei, no concreto caso
objecto de apreciação, só haverá contra-ordenação económica (grave) se a
empresa não apuser na factura a menção “recondicionado”,
nos termos alínea b) do n.º 1 do artigo 48 da LCVBC. No mais, a única sanção
perspectivável é de natureza cível, a saber, a nulidade da garantia em razão da
violação de disposições legais de natureza imperativa (DL 446/85: al. d) do
art.º 21) e sua recondução à garantia legal de 3 (três) anos.
11. A grelha das contra-ordenações económicas
graves é a que segue:
§ Pessoa
singular, de € 650,00 a € 1 500,00;
§ Micro-empresa,
de € 1 700,00 a € 3 000,00;
§ Pequena
empresa, de € 4 000,00 a € 8 000,00;
§ Média
empresa, de € 8 000,00 a € 16 000,00;
§ Grande
empresa, de € 12 000,00 a € 24 000,00;
EM
CONCLUSÃO:
a. Recondicionados
são bens com utilização anterior ou
objecto de devolução que, após inspecção, preparação, verificação e testagem
por um “expert”, são de novo colocados, como tal, no mercado para venda” [DL
84/2021: al. e) do art.º 2.º].
b. A
outorga de um ano de garantia a um bem recondicionado leva à nulidade da
cláusula e à sua recondução à garantia de 3 anos que é a legal [DL 446/85: al. d) do art.º 21; DL 84/2021: II parte do
n.º 3 do art.º 12 e n.º 1 do art.º 12].
c. A
outorga contra legem (contra a lei) de garantia inferior não constitui,
porém, qualquer ilícito de mera ordenação social por tal não haver sido
previsto na LCVBC de 2021.
d. Só
a não menção de “recondicionado” na
factura é que constitui contra-ordenação económica grave [DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do artigo 48].
e. As
contra-ordenações económicas graves serão graduadas em função da natureza do
infractor ou da dimensão da empresa (cfr.
11 supra)
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -Portugal