Em tom meio grave, no
termo de recente conferência, alguém se acerca, vituperando:
“já não há quem o queira ouvir, os
consumidores estão cansados dessa ‘lenga-lenga’ que para nada serve; mude de
vida, que com isso ‘não diverte nem converte ninguém’ ”… “e é tudo em pura
perda, são ‘perolas a porcos’!“
Por um instante, a reacção
exigível, que se pretenderia pronta, não surgiu. Um breve hiato para recuperar
o fôlego e objectar:
“
se cada um fizer o que lhe compete…”.
“Recorda-se da lenda
do colibri, do beija-flor, que quando indagado das razões por que pretendia à
viva força, com a gotícula de água que transportava no seu minúsculo bico, num vai-e-vem constante, apagar o
gigantesco fogo que lavrara na floresta
amazónica, se limitou a articular: “eu faço a minha parte”? “Pois é essa a
nossa postura”!
Com efeito, nesta
sociedade desestruturada (em que o Estado é o eterno omisso na formação e
informação do consumidor), desenvolver uma qualquer actividade “estimulada por
sentimentos que não por vencimentos”, em defesa de um Ideal, pode, na
realidade, confundir-se com algo de desprezível, de utópico, sem préstimo
porque sem palco nem público…
São, com efeito, mais
de 40 anos de actividade, na Academia como nos mais meios. Com os desconcertos susceptíveis
de ocorrer.
Foi a 23 de Abril de
1981 que o Semanário ’Tempo’, de Nuno Rocha, acolheu um consultório jurídico nosso
que levaria o Direito a Todos, como
se pretendia. Com forte animadversão
da Ordem dos Advogados para a qual a informação jurídica à população seria
monopólio seu e, em consequência, nos instaurou um processo disciplinar. Contra
o que se insurgiram, aliás, prestigiosos nomes como os de Eduardo Correia,
Carlos Mota Pinto, Francisco Pereira Coelho, insignes Mestres de Direito da
Escola de Coimbra.
Não menos grave foi
a perseguição movida em razão da ousadia da preparação, em Agosto de 1986, do I Congresso Internacional Das Condições
Gerais dos Contratos, sob a égide da Comissão Europeia de Jacques Delors,
que acolhera com louvor a iniciativa que a Coimbra traria, em 1988, 750
congressistas das sete partidas do globo…
Comemora-se, aliás,
agora o 35.º aniversario desse memorável evento (de 18 a 21 de Maio de 1988): o
honroso patrocínio do Presidente da República e do Reitor Honorário da
Universidade de Coimbra, António de Arruda Ferrer Correia, presidente da
Fundação Calouste Gulbenkian; e a feroz
oposição da Reitoria de Rui de Alarcão e dos Conselhos Directivo e Científico
de Direito, capitaneados por Orlando de Carvalho e Rogério Soares.
Congresso que teve o
suporte dos estudantes de Direito (notável o secretariado que se constituiu e
pedia meças a qualquer empresa promotora de eventos) e da Associação Académica, sob a presidência
da indefectível Ana Paula Barros.
Com personalidades
como o saudoso conselheiro Neves Ribeiro, figura grada do Ministério da
Justiça, e Manuel Lopes Porto, professor da Faculdade de Direito, como aliados,
na Comissão Executiva, ousando desafiar os seus pares, perfilando-se ao lado de
quem se dispusera a assumir a iniciativa, como autêntica pedrada no charco…
E o que de benéfico,
em consequência, daí adveio: a pedra angular da AIDC, a sociedade científica
internacional de Direito do Consumo e, na sua esteira, da antena nacional, a
apDC, ora na iminência de completar 34 anos.
E tratava-se de um
candente tema que mister seria “pôr em agenda”: o dos contratos de adesão, os
das letras miudinhas que geravam e geram abundantes cláusulas abusivas…
E o afã com que a
partir de então se adentrou a formação e a informação do consumidor,
designadamente na Televisão Pública, pela mão de Coelho Ribeiro, antigo
Bastonário da Ordem dos Advogados e seu presidente do Conselho de
Administração. E, mais tarde, numa centena de rádios e em centena e meia de
jornais.
Se todo este pecúlio
foi, ao longo de mais de quatro décadas, este permanente lançar de “pérolas a
porcos”, é porque o País, quantas vezes padrasto para iniciativas de real
valia, como as que viram a luz do dia, mas pródigo no esbanjamento dos
dinheiros de todos, de todo se desmerece.
Mais de 40 anos de
informação ao consumidor pode ser missão desgastante… mas algo terá ficado e
não poderá ser havido, de nenhum modo, como se de ‘pérolas a porcos’ se
tratasse, na expressão chocarreira e aviltante de um interlocutor de ocasião!
Neste quase inglório
fechar de página, que o julgue quem quiser, com mais isenção do que o real
interlocutor que nos afrontou no termo de mais uma acção de formação/informação,
no fecho de uma conferência… em Lisboa, a capital de um Império de que nada
resta, afinal, senão os deserdados da fortuna ante as nascentes e fáceis
fortunas que vão medrando pelas ínvias veredas da corrupção…
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal