(que deveria ter vindo a lume na edição
de 07 de Abril de 2023, mas em seu lugar veio o artigo de opinião, aliás, de
interesse manifesto, “Do projecto à obra…”)
Um simples telefonema e, como que
por magia, um contrato de ‘verborragia’…
Um simples
telefonema
A
enredar ignorantes
É a bandeira,
é o lema
Destes
‘hábeis’ ‘con’ tratantes…
“Um
telefonema da MEO. Uma solícita e simpática
brasileira do outro lado da linha. Uma conversa distendida sobre uma pretensa uma
“refidelização” por dois anos, que o
contrato, que acabara em 2020 (!), estava de novo a chegar a seu termo (?)…
O cidadão
escutava com enlevo a sua interlocutora. É que a empresa entendera “renovar sem consentimento” o contrato
desde 2020, finda a primitiva fidelização…
As (novas)
condições eram ditadas “ao correr da fala”…
O consumidor
rogou naturalmente lhas remetessem para
as confrontar com as da concorrência. E ajuizar da conveniência em contratar.
Que não, de
nenhum modo, que teria de aceitar primeiro, oralmente, e só depois é que lhe
fariam chegar as tais condições.”
Apreciada a
factualidade, cumpre enquadrar juridicamente:
1.
O consentimento tem de ser livre, esclarecido e ponderado.
2.
A Lei das Condições Gerais dos
Contratos de 25 de Outubro de 1985 reza no seu artigo 5.º:
“1 - As cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra aos
aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2 - A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo
em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas,
se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de
comum diligência.
….”
3.
Há, desde logo, clara violação do
preceito que antecede e, na circunstância, os efeitos seriam os da não inclusão
das cláusulas no contrato de adesão de que se trata com as consequências daí
emergentes.
4.
Porém, o DL 24/2014, de 14 de Fevereiro,
directamente aplicável por força do n.º 1 do art.º 121 da Nova Lei das Comunicações Electrónicas (Lei
16/22, 16 de Agosto), prescreve no n.º 8 do seu artigo 5.º:
“Quando o
contrato for celebrado por telefone [por iniciativa do fornecedor ou
prestador de serviços], o consumidor só fica vinculado depois de assinar a
oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor … ou prestador
de serviços”.
5.
Consequentemente, nestas circunstâncias
nem há sequer contrato válido: a simples
aceitação oral não vincula, não obriga, não procede.
6.
Mas essa parece ser a prática do antigo monopólio [uma invejável
carteira de 5 000 000 (cinco milhões) de assinantes], à revelia das leis do
Estado, já que se rege naturalmente por leis privativas que a todos escapam,
mas cujos efeitos sofrem.
7.
E, ainda que o consentimento por escrito fosse presente à empresa de
comunicações electrónicas, como no caso, do clausulado do contrato teria de
constar o direito de retractação (o
de dar
o dito por não dito) no lapso de 14 dias e bem assim o formulário
respectivo.
8.
A omissão da cláusula de retractação
protelaria o seu exercício por 12 meses mais. Que se seguiriam aos 14 dias
originais.
9.
Por conseguinte, está prenhe de
ilegalidades o pseudo-contrato da Meo dirigido a potenciais assinantes,
facto que deve pôr de sobreaviso o Regulador.
EM CONCLUSÃO
a.
Na celebração de qualquer contrato com
os consumidores, o consentimento tem de
ser livre, esclarecido e ponderado: “a
comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária… para que se torne possível o seu
conhecimento completo e efectivo.” (DL 446/85: n.º 2 do art.º 5.º).
b.
Tratando-se de comunicações electrónicas, por iniciativa da empresa e por telefone,
o contrato só se considera válido se
o consumidor assinar a oferta ou remeter ao co-contratante o seu
consentimento por escrito (Lei
16/22: n.º 1 do art.º 121; DL 24/2014: n.º 8 do art.º 5.º).
c.
E só se
considera eficaz se o consumidor se não se retractar no lapso de 14
dias, desde que a cláusula conste do contrato, ou no de 12 meses, que se
somarão aos 14 dias iniciais, se do contrato, entretanto, não constar esse
direito irrenunciável, imotivável e
inindemnizável (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 10.º).
Tal é, salvo
melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal