“As
Beiras”
03
de Fevereiro de 2023
Presunto
ou salame: prática desleal ou crime anti-económico?
“Propagandear
um artigo e exibir outro diferente é coisa que mexe comigo e com muita outra
gente!”
“Fui ao Lidl, em Montemor-o-Velho,
e, entre outras coisas, nas nozes e nas amêndoas a granel, o maior descaso: ao
recolher-se o produto, as cascas soltas, sem os frutos secos, vêm por arrasto e
confundem-se com o produto genuíno. O que conta, com efeito, para o peso, já que
se leva para casa casca sem noz ou sem amêndoa. Mais que de uma simples desonestidade
parece, com efeito, tratar-se de situações fruto de uma menor vigilância, um
menor dever de cuidado, uma reprovável ausência de atenção por parte dos seus
responsáveis.
Mas o que me irritou
solenemente é que do rótulo de um outro artigo constava: “Minipizzas – presunto”. E o produto oferecido era â base de
salame que é, por definição, mais barato.
Como combater esta
prática?”
Atenta a
factualidade, cumpre enquadrá-la e oferecer a solução jurídica adequada.
1.
Na concreta situação em apreço, em
que se pretende atrair o consumidor para um dado produto e se lhe oferece um outro
(para além de uma prática marcantemente desleal, já que induz ou é susceptível
de induzir em erro o consumidor em relação a uma ou mais características do
produto e conduz ou é susceptível de o conduzir a tomar uma decisão negocial
que de outro modo não tomaria), o que há deveras é uma “fraude sobre mercadorias”.
2.
Trata-se, com efeito, de um crime contra a economia e o estatuto do
consumidor, previsto e punido pela alínea b) do n.º 1 do artigo 23 da Lei Penal
do Consumo (DL 28/84), de 20 de Janeiro de 1984.
3.
O que nos diz tal preceito?
“Quem,
com intenção de enganar outrem nas relações negociais, fabricar, transformar,
introduzir em livre prática, importar, exportar, reexportar, colocar sob um
regime suspensivo, tiver em depósito ou em exposição para venda, vender ou
puser em circulação por qualquer outro modo mercadorias:
…
b)
De natureza diferente ou de qualidade e quantidade inferiores às que afirmar possuírem ou
aparentarem,
será
punido com prisão até 1 ano e multa até
100 dias, salvo se o facto estiver previsto em tipo legal de crime que
comine pena mais grave.”
4.
O que compete, na circunstância, a
cada um dos lesados, se tal estiver ao seu alcance, é obter uma foto do
letreiro e do produto, como meio de prova, e apresentar, isso sim, a devida reclamação
no livro respectivo.
5.
Caberá à ASAE,
como órgão de polícia criminal, instruir os autos e submetê-los a quem de
direito.
EM
CONCLUSÃO
a.
Quem
anuncia presunto e serve salame comete um crime de “fraude sobre mercadorias”,
por pretender enganar o consumidor com produto de natureza diferente ou de
qualidade inferior à que objecto do anúncio, da mensagem, do letreiro, da
publicidade.
b.
O
crime de “fraude sobre mercadorias” tem uma moldura penal ínfima, é certo, mas
de todo o modo cumula a pena de prisão – até um ano – com a de multa
susceptível de atingir os 100 dias, sendo que cada dia pode ascender a 500
(quinhentos) euros [DL 28/84, de 20 de Janeiro: alínea b) n.º 1 do art.º 23].
c.
Afigura-se-nos
que a moldura penal da conduta típica da “fraude sobre mercadorias” não é nem
proporcional nem dissuasiva, como mandam os manuais. Urge, por conseguinte,
despender um esforço tendente à outorga aos cidadãos de uma Lei Penal do
Consumo à altura dos tempos que correm.
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso breve parecer.
Mário
Frota
presidente emérito
da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal