“Quando na publicidade
Se promete mundos e fundos
No contrato, à claridade,
Há que cumpri-los rotundos!”
“A
KIA, marca automóvel acreditada no mercado, anuncia uma garantia de 6 anos para
veículos novos e usados.
Tal
publicidade aparece, sem rebuço, nas Redes Sociais.
Sem
mais.
A
publicidade não estabelece eventuais restrições. O que é surpreendente!
Claro que isso pode
representar uma vantagem competitiva, sabendo-se, como se sabe, que é aí,
exactamente na garantia, que muitas das marcas definem as diferenças face à
concorrência.
No entanto, o que se teme
é que, em concreto, depois desse anúncio redondo, comece a haver restrições em
determinados órgãos sensíveis dos veículos, como é de regra em muitas das
marcas no mercado.
É lícito às marcas
proceder desse modo, isto é, publicitar uma coisa e, depois, reduzindo a
oferta, em concreto, nos cupões de garantia ou no texto do próprio contrato?”
1. Na
realidade, isso começa a ser cada vez mais usual: publicita-se uma coisa e
oferece-se outra e bem diferente.
2. Embora,
tenha havido várias tentativas, na Europa, para permitir que a publicidade
pudesse oferecer algo e, depois, na prática o produto não ter as qualidades
apresentadas, o certo é que essa desesperada tentaiva das marcas não vingou.
3. Em
Portugal, rege a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em cujo n.º 5 do artigo
7.º, sob a epígrafe “da informação em geral”, se estabelece inequivocamente o
que segue:
“As
informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de
determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos
contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não
escritas as cláusulas contratuais em contrário.”
4. Mas
a Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 2021, em vigor desde o 1.º de
Janeiro de 2022, contempla também o ponto no seu artigo 43, como segue, sob a
epígrafe “garantia comercial”:
1
— A garantia comercial vincula o garante nos termos das condições previstas na
declaração de garantia comercial e da publicidade disponibilizada antes ou no
momento da celebração do contrato.
2
— São ainda vinculativas para o garante as condições anunciadas em publicidade
anterior ou concomitante ao momento da celebração do contrato.
3
— Sempre que os termos e condições da declaração de garantia e da publicidade
promovida nos termos dos números anteriores não sejam coincidentes, o
consumidor beneficia das condições mais favoráveis, excepto nos casos em que
antes da celebração do contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma
idêntica ou comparável àquela pela qual foi anteriormente efectuada.
…”
5. Por
conseguinte, o que vale é o que consta da publicidade. Que não o que, depois,
aparece no contrato ou em qualquer acessório como no cupão da garantia com
cortes de toda a ordem.
6. Salvo
se se observar o que na parte final do n.º 3 do transcrito artigo consta, a
saber, se “antes da celebração do
contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma idêntica ou comparável
àquela pela qual foi anteriormente efectuada”.
7.
“Garantia
é a garantia toda… de toda a coisa!”. Donde, as restrições e exclusões violarem
flagrantemente a lei e não poderem ser de todo consideradas: garantia é a que
consta da publicidade que não de qualquer outro documento que a desvalorize ou
reduza.
EM
CONCLUSÃO:
1. Se
da publicidade a dada marca de veículos, consta que a garantia é de
6 anos, tanto para novos como para usados, o que marca é a publicidade, não
o que, depois, em particular se
estabeleça ou venha a estabelecer no
contrato ou no cupão de garantia. [Lei 24/96: n.º 5 do art.º 7.º; DL
84/2021: n.ºs 1, 2 e I parte do n.º 3]
2. Como
diz a lei, “têm-se por não escritas as
cláusulas contratuais em contrário” [Lei 24/96: n.º 5 do artigo 7.º, in fine]!
3.
A
menos que, obtempera agora a Lei das Garantias dos Bens de Consumo, “antes
da celebração do contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma
idêntica ou comparável àquela pela qual foi anteriormente efectuada”
[DL 84/2021: n.º 3 do artigo 43].
Tal
é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário
Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal