quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Mas o que vale, afinal: o que vem na publicidade? Nos anúncios de jornal? E se não há conformidade?



“Quando na publicidade

Se promete mundos e fundos

No contrato, à claridade,

Há que cumpri-los rotundos!”

 

“A KIA, marca automóvel acreditada no mercado, anuncia uma garantia de 6 anos para veículos novos e usados.

Tal publicidade aparece, sem rebuço, nas Redes Sociais.

Sem mais.

A publicidade não estabelece eventuais restrições. O que é surpreendente!

 Claro que isso pode representar uma vantagem competitiva, sabendo-se, como se sabe, que é aí, exactamente na garantia, que muitas das marcas definem as diferenças face à concorrência.

No entanto, o que se teme é que, em concreto, depois desse anúncio redondo, comece a haver restrições em determinados órgãos sensíveis dos veículos, como é de regra em muitas das marcas no mercado.

É lícito às marcas proceder desse modo, isto é, publicitar uma coisa e, depois, reduzindo a oferta, em concreto, nos cupões de garantia ou no texto do próprio contrato?”

 1.    Na realidade, isso começa a ser cada vez mais usual: publicita-se uma coisa e oferece-se outra e bem diferente.

 2.    Embora, tenha havido várias tentativas, na Europa, para permitir que a publicidade pudesse oferecer algo e, depois, na prática o produto não ter as qualidades apresentadas, o certo é que essa desesperada tentaiva das marcas não vingou.

 3.    Em Portugal, rege a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em cujo n.º 5 do artigo 7.º, sob a epígrafe “da informação em geral”, se estabelece inequivocamente o que segue:

“As informações concretas e objectivas contidas nas mensagens publicitárias de determinado bem, serviço ou direito consideram-se integradas no conteúdo dos contratos que se venham a celebrar após a sua emissão, tendo-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário.”

4.    Mas a Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 2021, em vigor desde o 1.º de Janeiro de 2022, contempla também o ponto no seu artigo 43, como segue, sob a epígrafe “garantia comercial”:

 1 — A garantia comercial vincula o garante nos termos das condições previstas na declaração de garantia comercial e da publicidade disponibilizada antes ou no momento da celebração do contrato.

2 — São ainda vinculativas para o garante as condições anunciadas em publicidade anterior ou concomitante ao momento da celebração do contrato.

3 — Sempre que os termos e condições da declaração de garantia e da publicidade promovida nos termos dos números anteriores não sejam coincidentes, o consumidor beneficia das condições mais favoráveis, excepto nos casos em que antes da celebração do contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma idêntica ou comparável àquela pela qual foi anteriormente efectuada.

…”

5.    Por conseguinte, o que vale é o que consta da publicidade. Que não o que, depois, aparece no contrato ou em qualquer acessório como no cupão da garantia com cortes de toda a ordem.

 6.    Salvo se se observar o que na parte final do n.º 3 do transcrito artigo consta, a saber, se “antes da celebração do contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma idêntica ou comparável àquela pela qual foi anteriormente efectuada”.

 7.     “Garantia é a garantia toda… de toda a coisa!”. Donde, as restrições e exclusões violarem flagrantemente a lei e não poderem ser de todo consideradas: garantia é a que consta da publicidade que não de qualquer outro documento que a desvalorize ou reduza.

 

EM CONCLUSÃO:

1.    Se da publicidade a dada marca de veículos, consta que a garantia é de 6 anos, tanto para novos como para usados, o que marca é a publicidade, não o que, depois, em particular se estabeleça ou venha a estabelecer no contrato ou no cupão de garantia. [Lei 24/96: n.º 5 do art.º 7.º; DL 84/2021: n.ºs 1, 2 e I parte do n.º 3]

 2.    Como diz a lei, “têm-se por não escritas as cláusulas contratuais em contrário” [Lei 24/96: n.º 5 do artigo 7.º, in fine]!

 3.     A menos que, obtempera agora a Lei das Garantias dos Bens de Consumo,  antes da celebração do contrato a publicidade tenha sido corrigida de uma forma idêntica ou comparável àquela pela qual foi anteriormente efectuada” [DL 84/2021: n.º 3 do artigo 43].

 Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal


Sem comentários:

Enviar um comentário

Sabe o que é “economia de fuga”? Esta pode ser a oportunidade das marcas para atraírem consumidores

  Sabia que 91% das pessoas globalmente buscam formas de escapar da rotina diária? Esta é uma das principais conclusões do estudo global “...