A, ao tempo,
Desembargadora Ana Maria Boularout, de forma singular, à luz das leis em vigor
na altura [ainda antes da Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 8 de Abril
de 2003 e no quadro da Lei de Defesa do Consumidor- LDC], por acórdão de 23 de Maio de 2002, no Tribunal da Relação de Lisboa, decretara:
“I- O comprador de
veículo usado tem sempre o direito, imperativamente, à garantia de um ano
quanto ao bom estado e bom funcionamento do veículo, sendo que aquele [… e ] o
vendedor poderão estabelecer um regime mais favorável, mas o que não podem é
restringir o limite imposto por lei nem afastá-lo.
II- Desta sorte, o
consumidor a quem tenha sido vendido um veículo automóvel usado defeituoso
poderá exigir a redução do preço ou até a resolução do contrato,
independentemente de culpa do vendedor, salvo se este o houver informado
previamente – antes da celebração do contrato -, sendo irrelevantes quaisquer
declarações do comprador a renunciar à mesma por nulidade de tal renúncia.
III- A idade do
veículo não poderá constituir, sem mais, qualquer óbice à operância das
exigências técnicas para a venda, a não ser que os eventuais defeitos dela
decorrentes tenham sido previamente assinalados.
IV- Mesmo que a reparação do veículo seja
eventualmente superior ao seu custo, “sibi imputet”, pois é sobre o vendedor que
impende uma especial atenção, atenta a actividade comercial desenvolvida, de
verificar a qualidade dos bens vendidos de forma a não lograr as expectativas
de quem os adquire nem ficar prejudicado, pois tal dever de verificação tem um
duplo objectivo.”
Saudámos, ao tempo,
o acórdão como interpretando o sentido e alcance do artigo 12, na formulação da
versão original da LDC:
Porém, à luz da lei em vigor [DL 84/2021, de 18 de
Outubro], outra parece ser agora a solução, segundo o artigo 15 da Lei das
Garantias dos Bens de Consumo:
“O consumidor pode
escolher entre a reparação ou a substituição do bem, salvo se o meio escolhido
para a reposição da conformidade for impossível ou, em comparação com o outro
meio, impuser ao fornecedor custos desproporcionados, tendo em conta todas as
circunstâncias, incluindo:
a) O valor que os
bens teriam se não se verificasse a falta de conformidade;
b) A relevância da
falta de conformidade; e
c) A possibilidade
de recurso ao meio de reposição da conformidade alternativo sem inconvenientes
significativos para o consumidor.
3 — O fornecedor pode
recusar repor a conformidade dos bens se a reparação ou a substituição forem
impossíveis ou impuserem custos que sejam desproporcionados, tendo em conta
todas as circunstâncias, incluindo as que são mencionadas nas alíneas a) e b)
do número anterior.”
Em circunstâncias
tais, ao consumidor restará o recurso ou à redução do preço, se for do seu
interesse, ponderados todos os factores, ou – o que seria normal – à extinção do contrato com a devolução
do veículo e a restituição do preço, dentro dos
prazo para o efeito consignados.
A solução da lei,
hoje, acaba por ser mais equilibrada, favorecendo o vendedor, já que não estará
imperativamente sujeito à reparação da coisa ainda que tivesse de despender
mais do que recebera pela veículo.
O objectivo
compendiado nessa medida seria o de evitar que se enxameassem as estradas de
veículos sem eventuais condições de segurança que agravariam decerto a
sinistralidade automóvel.
Como diria Ralph Nader, é preciso evitar que as estradas
se povoem de ataúdes rolantes [caixões
com rodas]!
Mário Frota
apDC – DIREITO
DO CONSUMO - Portugal