segunda-feira, 13 de junho de 2022

POVOAR OU NÃO AS RODOVIAS DE ATAÚDES ROLANTES?

A, ao tempo, Desembargadora Ana Maria Boularout, de forma singular, à luz das leis em vigor na altura [ainda antes da Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 8 de Abril de 2003 e no quadro da Lei de Defesa do Consumidor- LDC], por  acórdão de 23 de Maio de 2002,  no Tribunal da Relação de Lisboa, decretara:

“I- O comprador de veículo usado tem sempre o direito, imperativamente, à garantia de um ano quanto ao bom estado e bom funcionamento do veículo, sendo que aquele [… e ] o vendedor poderão estabelecer um regime mais favorável, mas o que não podem é restringir o limite imposto por lei nem afastá-lo.

II- Desta sorte, o consumidor a quem tenha sido vendido um veículo automóvel usado defeituoso poderá exigir a redução do preço ou até a resolução do contrato, independentemente de culpa do vendedor, salvo se este o houver informado previamente – antes da celebração do contrato -, sendo irrelevantes quaisquer declarações do comprador a renunciar à mesma por nulidade de tal renúncia.

III- A idade do veículo não poderá constituir, sem mais, qualquer óbice à operância das exigências técnicas para a venda, a não ser que os eventuais defeitos dela decorrentes tenham sido previamente assinalados.

IV-  Mesmo que a reparação do veículo seja eventualmente superior ao seu custo, “sibi imputet”, pois é sobre o vendedor que impende uma especial atenção, atenta a actividade comercial desenvolvida, de verificar a qualidade dos bens vendidos de forma a não lograr as expectativas de quem os adquire nem ficar prejudicado, pois tal dever de verificação tem um duplo objectivo.

 

Saudámos, ao tempo, o acórdão como interpretando o sentido e alcance do artigo 12, na formulação da versão original da LDC:

Porém,  à luz da lei em vigor [DL 84/2021, de 18 de Outubro], outra parece ser agora a solução, segundo o artigo 15 da Lei das Garantias dos Bens de Consumo:

“O consumidor pode escolher entre a reparação ou a substituição do bem, salvo se o meio escolhido para a reposição da conformidade for impossível ou, em comparação com o outro meio, impuser ao fornecedor custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo:

a) O valor que os bens teriam se não se verificasse a falta de conformidade;

b) A relevância da falta de conformidade; e

c) A possibilidade de recurso ao meio de reposição da conformidade alternativo sem inconvenientes significativos para o consumidor.

3 — O fornecedor pode recusar repor a conformidade dos bens se a reparação ou a substituição forem impossíveis ou impuserem custos que sejam desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias, incluindo as que são mencionadas nas alíneas a) e b) do número anterior.”

Em circunstâncias tais, ao consumidor restará o recurso ou à redução do preço, se for do seu interesse, ponderados todos os factores, ou – o que seria normal – à extinção do contrato com a devolução do veículo e a restituição do preço, dentro dos prazo para o efeito consignados.

A solução da lei, hoje, acaba por ser mais equilibrada, favorecendo o vendedor, já que não estará imperativamente sujeito à reparação da coisa ainda que tivesse de despender mais do que recebera pela veículo.

O objectivo compendiado nessa medida seria o de evitar que se enxameassem as estradas de veículos sem eventuais condições de segurança que agravariam decerto a sinistralidade automóvel.

Como diria Ralph Nader, é preciso evitar que as estradas se povoem de ataúdes rolantes [caixões com rodas]!

 

Mário Frota

apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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