Um instantâneo da vida real…
A cena decorre no Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa.
Um espaço com cuidada apresentação: GLEBA, Moagem & Padaria, denominação no giro comercial.
Um jovem aluno (pelo aspecto) abeira-se do espaço. Escolhe três pães de uma dada espécie: 1,80 €. E pretende pagar com uma moeda com curso legal: dois euros.
Recusa frontal, ao balcão. Nem notas nem moedas. O empregado, de dedo em riste, “remete-o” para um minúsculo cartaz, em português e inglês, postado à esquerda, no balcão, do ângulo de vista dos clientes:
“POLÍTICA DE PAGAMENTOS
Estimado cliente
Devido à nossa política de pagamentos, apenas aceitamos pagamentos em cartão ou MB Way.”
O jovem, atónito, ainda disparou: “e fico sem comer”?
Uma resposta absurda: “pede ao teu pai que te dê um cartão”!
É legal tal procedimento?”
Perante um tal quadro, eis o que se nos oferece:
1. A Recomendação 2010/191/UE, de 22 de Março de 2010, da Comissão Europeia, que visa interpretar o Regulamento de 3 de Maio de 1998 que introduziu o euro, define claramente que "os comerciantes não podem recusar pagamentos em numerário, a menos que as partes [os próprios e os consumidores] tenham acordado entre si a adoção de outros meios de pagamento" [Rec. C.E. 2010/191/EU: al. a) do n.º 1].
2. Define ainda que "A afixação de letreiros ou cartazes a indicar que o comerciante recusa pagamentos em numerário, ou pagamentos em certas denominações de notas, não é por si só suficiente nem vinculante para os consumidores.”
3. No caso, há uma clara violação da lei: trata-se de condições gerais absolutamente proibidas que, trasladadas para os contratos singulares, se convertem em cláusulas nulas e de nenhum efeito… [DL 446/85: art.ºs 2.º e 12 e al. a) do art.º 21].
4. O meio processual adequado para atacar as proibições tanto absoluta quanto relativamente proibidas é, no plano das condições gerais, a acção inibitória:
“As [condições gerais dos contratos], elaboradas para utilização futura, quando contrariem o disposto nos artigos 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 21.º e 22.º podem ser proibidas por decisão judicial, independentemente da sua inclusão efectiva em contratos singulares” [DL 446/85: art.º 24].
5. Ante um contrato singular, como no caso, o efeito jurídico é o da nulidade da cláusula: tal cláusula de nada vale. E, por isso, só lhes resta aceitar, como meio de pagamento, o dinheiro em espécie [DL446/85: art.º 12; Rec. C.E. 2010/191 (UE): al. a n.º 1].
6. “Constitui contra-ordenação muito grave, punível nos termos do Regime Jurídico das Contra-ordenações Económicas (RJCE), a utilização de [condições gerais] absolutamente proibidas nos contratos…” [DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-A].
7. Tratando-se de violações no espaço nacional, o leque das contra-ordenações gradua-se como segue:
7.1. Micro-empresas - € 3 000 a € 11 500
7.2. Pequenas empresas – € 8 000 a € 30 000
7.3. Médias empresas - € 16 000 a € 60 000
7.4. Grandes empresas - € 24 000 a € 90 000
[DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-A; DL 09/2021: al. c) do art.º 18].
8. Se de violações no Espaço Económico Europeu se tratar, as coimas atingirão ou 4% do volume de negócios anual ou, a não ser possível apurar um tal montante, o limite atingirá os € 2 000 000.
9. Ao consumidor cumpre exigir, de par com a presença da autoridade policial para remover a resistência, o livro em suporte papel para nele deduzir a reclamação que será presente ao Banco de Portugal [DL 156/2005: n.º 5 do art.º 2.º; DL 446/85: n.º 1 art.º 34 - C].
10. O Banco de Portugal é a entidade competente para instruir os autos de contra-ordenação e infligir as coimas previstas na lei [DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-C].
EM CONCLUSÃO
a. A lei proíbe, em princípio, a recusa de dinheiro com curso legal [Rec. Com. Europeia 191/2010/UE: al. a) do n.º 1].
b. A recusa, em qualquer suporte físico, constitui condição geral dos contratos [DL 446/85: art.º 2.º].
c. Uma tal condição é absolutamente proibida [DL 446/85: al. a) do art.º 21].
d. Poderá conduzir a uma acção inibitória a instaurar por quem detenha legitimidade processual em vista da sua erradicação dos suportes em que figure [DL 446/85: art.ºs 24 e 25].
e. Constitui ainda ilícito de mera ordenação social – contra-ordenação económica muito grave – passível de coima: de € 3 000 (mínimo para micro-empresa) a € 90 000 (máximo para grande empresa), consoante a sua dimensão [DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-A] e DL 09/2021: al. c) do art.º 18].
f. O Banco de Portugal, como regulador, é a entidade competente para instruir os autos e aplicar as coimas correspondentes às assinaladas violações [DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-C].
Mário Frota
Mandatário Nacional da Denária Portugal

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