(Artigo de opinião, in diário ‘As Beiras’, Coimbra, 11 de Abril de
2022)
Eis o paupérrimo Programa do Governo, no capítulo da “protecção dos consumidores”:
• “Instituir o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e o Portal do Consumidor,
numa lógica de balcão único…
• Definir o Estatuto do Consumidor Vulnerável: … conjunto de critérios e
respectivos direitos correspondentes a tal condição;
• Criar a Comissão das Cláusulas Contratuais Gerais, de modo a prevenir o uso
de cláusulas abusivas;
. Rever o Código da Publicidade…
• Rever o regime jurídico das acções colectivas, para protecção dos
interesses colectivos dos consumidores;
• Transmitir aos consumidores o maior
conjunto de informação possível
sobre a composição dos produtos
agro-alimentares…
• Definir… um Índice de Reparabilidade de
Produtos, prosseguindo a adopção de instrumentos que permitam ao
consumidor obter informação e compará-la, no que à vida útil dos produtos respeita;
• Garantir a dinamização da Rede de Apoio ao Consumidor Endividado…
• Avaliar o quadro regulatório das comissões
bancárias, assegurando os princípios da transparência ao consumidor e da
proporcionalidade …
• Reforçar
os recursos humanos e materiais da Autoridade
de Segurança Alimentar e Económica (ASAE), prevendo o alargamento do seu
mapa de pessoal…
• Acompanhar e aprofundar o Livro de Reclamações, hoje disponível
nos formatos físico, electrónico e móvel…
• Criar condições para o alargamento e modernização da rede de centros de arbitragem de consumo…
• Permitir que as entidades reguladoras determinem, mediante injunção, a reintegração na situação anterior…;
• Apostar [em] iniciativas de informação, sensibilização e capacitação, dirigidas sobretudo
aos consumidores mais vulneráveis…;
• Continuar a fomentar a cooperação a nível europeu e internacional,
factor cada vez mais relevante…, nomeadamente no âmbito das compras
online.”
Este rebotalho
de “programa” careceria de uma crítica à altura. Exíguo o espaço para tal.
Confundem-se os eixos
primaciais com meras tarefas de gestão
ou de execução.
Não se elegem aspectos nucleares como : i) edifício
legislativo, ii) edifício institucional em geral (nos
planos central, regional e local) e iii), em
particular, das estruturas de regularização de litígios.
Institui, 41 anos
após a 1.ª Lei, o Sistema Nacional de
Defesa do Consumidor: reconhecimento que de todo inexiste.
“Cria” uma Comissão das Cláusulas Abusivas, instituída
já, aliás, em 27 de Maio de 2021, mas que não estruturou, como devia, até 26 de
Julho p.º p.º, para que pudesse entrar em funcionamento em 25 de Agosto de 2021,
tal como o exigia a Lei 32/2021.
Torna suas, medidas
fundantes da Agenda Europeia do
Consumidor de 13 de Novembro de 2020: em torno da figura multipolar do consumidor “hipervulnerável”…
Redundante a alusão
a “informação, sensibilização e
capacitação, dirigidas sobretudo aos consumidores
mais vulneráveis”, já que se trata de algo não autonomizável, mas
enquadrável no tal estatuto que diz
vir a criar…
A revisão do regime
jurídico das acções colectivas é
imposição de Bruxelas, que remonta a 25 de Novembro de 2020: mero acto de execução.
As informações sobre os produtos
agro-alimentares decorrem de vários Regulamentos europeus que de há muito
urge passar à prática.
Ensaia pela enésima
vez a revisão do Código da
Publicidade quando, no edifício legislativo, deveria propor-se fundir Código e Lei das Práticas Comerciais Desleais.
O reforço de
estruturas débeis e inconsequentes (rede
do consumidor endividado, centros de
arbitragem) é medida que tarda, sistematicamente anunciada, em vão, e
decorre de meros actos de modelação das estruturas às necessidades do País
(não justificam espaço de programa). Menos
ainda como um seu ponto central.
O reforço do quadro da ASAE é algo de
profundamente deslocado: cabe no Programa de Reforma do Estado e só aqui
figura à míngua de imaginação para algo de mais sério e fundado.
O regresso ao “Livro de Reclamações” vem na mesma
lógica: bata-se na tecla, à falta de medidas concretas em domínios sensíveis
como os da Educação, da Informação e Protecção, tanto no plano
singular como no colectivo, que de todo falecem.
As comissões bancárias algo para o BdP ou, no limite, em articulação com a
política de consumidores, que nem sequer se sabe onde ficará…
A cooperação europeia e internacional é
campo que se abre às instâncias da União, no quadro da Agenda de 2020, que não autonomamente ao dos Estados. A sua mera
enunciação é abusiva… ante o delineamento das políticas neste passo reveladas e
que ultrapassam o Governo!
Enfim… “muita parra, pouca uva”!
Mário Frota
Presidente emérito
da apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Portugal