“Ligaram-me de uma empresa de energia eléctrica (o antigo
monopólio: a EDP) a propor certas condições para que mudasse de
comercializador.
Sem que se houvesse avançado no diálogo, sem que ficasse a
conhecer em pormenor as condições, sem que tivesse dado o meu consentimento,
consideraram o contrato celebrado. Abusivamente! Mas não se ficaram por aí:
juntaram a esse um outro contrato
de seguro dos equipamentos e um outro ainda de assistência em caso de avaria
e fiquei aparentemente obrigada também perante estes.
Ao que parece, as coisas funcionam assim. Mas as empresas
têm o direito de o fazer?
Que direitos terei, que direitos terá o consumidor?”
Os contratos por
telefone estão na ordem do dia…
E, ao contrário do que se julga saber, há normas que os
regem e a que se deve obediência.
Duas hipóteses se perfilam e desenham na circunstância:
1.ª Se a iniciativa
do telefonema for da empresa, o
consumidor só fica, em princípio, obrigado depois de assinar a oferta ou remeter o seu consentimento por escrito.
Disse-se “em princípio”.
E assim será: é que, mesmo depois da celebração de um contrato não presencial (à distância,
por
telefone), se o contrato for válido, o consumidor dispõe de 14 (catorze) dias consecutivos para se retractar, ou seja, para
dar o dito por não dito, isto é, goza de um direito de desistência ou de
retractação exactamente porque a lei lhe dá todo esse tempo para ponderar,
para reflectir, para saber se o contrato lhe convém ou não, para ajuizar, pois,
da conveniência ou do interesse em celebrar ou não o contrato.
Mas para tanto é necessário que do clausulado do contrato
(que tem de ser presente ao consumidor por meio de qualquer suporte duradouro*)
conste o tal direito de desistência ou de retractação.
(*Por suporte duradouro se entende “qualquer instrumento,
designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc
Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de
memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao
fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam
pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à
finalidade das informações, e que possibilite a respectiva reprodução
inalterada.”)
Se, porém, do clausulado não constar tal direito
(o de desistência ou de retractação), o consumidor dispõe, não de 14 dias, mas
de 12 meses para dar o dito por não dito. Doze meses que acrescem aos 14 dias. Sem
quaisquer consequências para si. E como forma de penalizar o co-contratante que
não observou os ditames da lei.
2.ª Se a iniciativa
do telefonema for, no entanto, do
consumidor, o contrato considera-se, em princípio, celebrado. Mas o
fornecedor tem de o confirmar em 5
(cinco) dias mediante a remessa de todo o clausulado de onde constará o
período de reflexão ou de ponderação de 14 (catorze) dias dentro dos quais se poderá
verificar a desistência. Se não constar, observar-se-á o mesmo que na hipótese
anterior: o período para o exercício do direito de desistência ou retractação será
então de 12 meses contados dos 14 dias iniciais.
Reconduz-se, no entanto, à hipótese primeira (o telefonema
por iniciativa do fornecedor) se, no decurso de uma chamada feita pelo
consumidor com qualquer outro propósito, for abordado para a celebração de um
contrato, qualquer que seja… A saber, o contrato só se considera celebrado,
nestes casos, se acaso o consumidor der o seu consentimento por escrito ou
depois de assinar a oferta. O que parece curial.
3.ª No caso da celebração, não de um só contrato de fornecimento de energia, mas ainda da imposição
lateral de um contrato de seguro e de um de assistência técnica, o
que nem sequer se revelou no momento do contacto com o consumidor, há
manifestamente violação da lei.
É que “o consumidor não fica obrigado ao pagamento
de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou
solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido…” (n.º
4 do artigo 9.º da LDC – Lei de Defesa do Consumidor).
Ademais, “é vedado ao fornecedor… fazer depender o
fornecimento de um bem… da aquisição de um outro ou outros (n.º 6 do
artigo 9.º da LDC – Lei de Defesa do Consumidor).
4.ª O que se estranha é que empresas de certo porte façam
por ignorar as leis em vigor e atentem contra os direitos do consumidor,
aproveitando-se, tantas vezes, do menor conhecimento que os consumidores têm
dos seus próprios direitos para desferir golpes baixos como estes de que o consulente
nos dá conta.
A informação ao consumidor é, com efeito, primordial: consumidor
esclarecido é consumidor de
parte inteira, é cidadão investido na plenitude dos seus direitos, com um
estatuto invejável, que não um sujeito dotado como que de uma “capitis
deminutio” (capacidade diminuída).
Por conseguinte, tratando-se de contrato cujo impulso
se ficou a dever ao fornecedor, seria indispensável que o consumidor assinasse
a oferta ou desse o seu consentimento por escrito. Não havendo consentimento,
não há contrato. Menos ainda os outros dois contratos proibidos por se tratar
de contratos não queridos (de contratos “casados”, como se diz no
Brasil)…
O consumidor a nada estará obrigado.
E o fornecedor comete um ilícito de mera ordenação social
passível de coima que, de momento, se situa ainda entre 2 500 a
25 000€, segundo o ordenamento jurídico português.
As sanções variam de Estado-membro para Estado-membro da
União Europeia.
Daí que seja decisivo investir na informação do consumidor por
todos os meios ao nosso alcance. Para que o consumidor saiba, em todas as
circunstâncias, com que linhas se cose, em que lei vive.
Mário Frota
apDC – DIREITO DO
CONSUMO - Coimbra