“Há
dias, num restaurante, na Ribeira, no Porto, ao instalarmo-nos na mesa que nos
fora indicada, estavam já algumas entradas na mesa.
Houve
quem se servisse e quem se não servisse.
Atento
à conta, verifiquei que as entradas haviam sido facturadas na íntegra.
Chamei
o “garçom” e ele disse que ali era assim e mostrou um papel emoldurado com a
seguinte frase e uma justificação que não nos convenceu: “quem cala, consente,
mas quem trinca, consente mais, e não poderá reclamar, quando detetar, na
conta, as entradas que não pediu”.
E
exigiram-nos que pagássemos.
No
Brasil entradas não pedidas são “oferta grátis”. Em Portugal é diferente?”
Apreciada a questão, eis que
cumpre responder:
1.
No Brasil é assim, sabemo-lo, por força do
inciso III e do § único do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor: “os
serviços prestados e os produtos remetidos sem solicitação prévia equiparam-se
às amostras grátis, inexistindo a obrigação de pagamento”.
2.
Mas em Portugal não é diferente: desde logo, a
Lei-Quadro de Defesa do Consumidor estabelece-o, como princípio geral, no n.º 4
do seu art.º 9.º:
“O
consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha
prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua
cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da
sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento
ou deterioração da coisa.”
3.
Mas a Lei dos Contratos à Distância e Outras
Práticas Negociais reitera-o no seu artigo 28:
“1 - É
proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não
solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 -
Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do
consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não
vale como consentimento.”
4.
Mas o Regime Jurídico do Acesso ao Comércio,
Serviços e Restauração de 16 de Janeiro de 2015 prescreve no n.º 3 do seu
artigo 135:
“Nenhum
prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se
não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.”
5.
Logo, à falta de uma, há três disposições na
lei portuguesa a proibir tais práticas.
6.
Constitui contra-ordenação económica grave a
violação de tais preceitos: a coima que se lhe associa depende da dimensão da
empresa, se micro, pequena, média ou grande:
.
Micro-empresa: de 1 700 a 3 000 €
.
Pequena empresa: de 4 000 a 8 000 €
.
Média empresa: de 8 000 a 16 000 €
.
Grande empresa: de 12 000 a 24 000 €
Se de
pessoa singular se tratar, a coima oscilará entre 650 a 1 500 €.
7.
A prática constituirá ainda crime de
especulação com prisão de seis meses a um ano e multa não inferior a 100 dias
(DL 28/84: art.º 35).
8.
A participação far-se-á no Livro de Reclamações
e a autoridade competente para a instrução dos autos e aplicação das sanções é
a ASAE.
EM
CONCLUSÃO:
1.
Entradas não solicitadas (“couvert” lhes chama
a lei) são havidas como gratuitas (Lei 24/96: n.º 4 do art.º 9.º; DL 24/2014:
art.º 28; DL 10/2015: n.º 3 do art.º 135)
2.
Tais práticas constituem contra-ordenação
económica grave cuja moldura variará em função do infractor (DL 10/2015: n.º 1
do art.º 143; DL 09/2021: al. b) do art.º 18).
3.
E poderá constituir ainda crime de especulação
com prisão e multa (DL28/84: art.º 35)
Tal é, salvo melhor juízo, o
nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal