“Um apartamento comprado em finais de 2022. Com os utensílios de cozinha incorporados.
Avaria-se a placa eléctrica do fogão.
A questão é a de saber qual o prazo da garantia: afiança-se que é de dois anos.
Mas a questão é mais complexa.
Desde quando se conta a garantia:
Da data de compra da placa pelo promotor imobiliário? Da data de instalação da placa? Da data da escritura pública de compra e venda? Ou da data da entrega da chave da fracção?”
Ante a questão, a resposta que se nos oferece:
1. A Lei da Compra e Venda de Consumo rege a garantia contra a não conformidade de elementos construtivos e não construtivos de bens imóveis:
“O [promotor] responde perante o consumidor por qualquer [não] conformidade que exista quando o bem imóvel lhe é entregue e se manifeste no prazo de:
. 10 anos em relação a elementos construtivos estruturais;
. Cinco anos em relação às restantes [não] conformidades (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 23).
2. Ponto é saber se fogões, congeladores, frigoríficos e máquinas de lavar são ou não partes integrantes, ou seja, coisas móveis ligadas materialmente ao prédio com carácter de permanência, como, por exemplo, os equipamentos de ar condicionado: e não o são patentemente [Cód. Civil: n.º 3 do art.º 204 e n.º 1 do art.º 205].
3. Se se tratar de coisas móveis destacáveis, amovíveis, como é o caso, a garantia não será de cinco, mas de três anos [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12].
4. Ora, ante os dados oferecidos, a garantia estará prestes a extinguir-se (“finais” de 2025).
5. Como remédios, ou a reparação da placa ou a sua substituição, em prazo razoável e sem grave inconveniente para o consumidor (em princípio, 30 dias), sendo que nada lhe deve ser exigido em termos de encargos (a garantia é gratuita) [DL 84/2921: al. a) do n.º 1 do art.º 15 e al. a) do n.º 2 do art.º 18].
6. A opção entre reparação e substituição do bem cabe ao consumidor [DL 84/2021: n.º 2 do art.º 15].
7. A haver reparação, o consumidor beneficia de uma garantia adicional de seis meses com um limite de quatro reparações [DL 84/2021: n.º 4 do art.º 18].
8. Sucede, porém, que “decorrido o prazo [de dois anos], cabe ao consumidor a prova de que a [não] conformidade existia à data da entrega do bem”: é a denominada “prova diabólica” dificilmente alcançável [DL 84/2021: n.º 4 do art.º 13].
9. Já no que tange à data a partir da qual a garantia se conta, não é, ao que se nos afigura, nem a data
. da compra da placa eléctrica pelo promotor; nem a
. da sua instalação; nem a
. da escritura pública de compra e venda da fracção, antes a
. da entrega da chave ao adquirente [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 23].
10. Se resistência houver no que se prende com a integral satisfação dos seus direitos, o consumidor dispõe de dois anos para o correspondente exercício após a denúncia da não conformidade, sob pena de caducidade [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 17].
EM CONCLUSÃO
a. Uma placa eléctrica de uma cozinha, em fracção autónoma adquirida com os móveis respectivos, não é parte integrante, ou seja, coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, antes, coisa móvel destacável, amovível (Cód. Civil: n.º 1 do art.º 205).
b. Donde, a garantia legal não ser de 5, mas de 3 anos (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12).
c. Como a avaria se verificou no 3.º ano, após a entrega das chaves, cumpre ao consumidor fazer prova de que a não conformidade existia já momento da entrega (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 13).
d. O momento da entrega das chaves (e não qualquer outro) é o que conta para efeitos da garantia (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 23).
e. Ao consumidor cabe exigir (se prova fizer) ou a reparação da placa ou a substituição, à sua escolha (DL 84/2021: n.º 2 do art.º 15)
f. A reposição de conformidade terá de se fazer, em princípio, em 30 dias (DL 84/2021: n.º 3 do art.º 18).
g. Se se proceder à reparação, à garantia legal acrescerá - por cada uma das operações até ao limite de quatro - uma garantia adicional de seis meses (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 18)
h. Se o promotor imobiliário não satisfizer os direitos decorrentes da garantia, a acção para o efeito instaurar-se-á em dois anos após a comunicação da não conformidade, sob pena de caducidade (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 17).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC - Direito do Consumo -, Portugal

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