sexta-feira, 14 de novembro de 2025

Uma placa que se avaria, uma garantia que se desafia, uma perda que se consubstancia…


“Um apartamento comprado em finais de 2022. Com os utensílios de cozinha incorporados.

Avaria-se a placa eléctrica do fogão.

A questão é a de saber qual o prazo da garantia: afiança-se que é de dois anos.

Mas a questão é mais complexa.

Desde quando se conta a garantia:

Da data de compra da placa pelo promotor imobiliário? Da data de instalação da placa? Da data da escritura pública de compra e venda? Ou da data da entrega da chave da fracção?”

 Ante a questão, a resposta que se nos oferece:

 1. A Lei da Compra e Venda de Consumo rege a garantia contra a não conformidade de elementos construtivos e não construtivos de bens imóveis:

“O [promotor] responde perante o consumidor por qualquer [não] conformidade que exista quando o bem imóvel lhe é entregue e se manifeste no prazo de:

. 10 anos em relação a elementos construtivos estruturais;

.  Cinco anos em relação às restantes [não] conformidades (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 23).

2. Ponto é saber se fogões, congeladores, frigoríficos e máquinas de lavar são ou não partes integrantes, ou seja, coisas móveis ligadas materialmente ao prédio com carácter de permanência, como, por exemplo, os equipamentos de ar condicionado: e não o são patentemente [Cód. Civil: n.º 3 do art.º 204 e n.º 1 do art.º 205].

3. Se se tratar de coisas móveis destacáveis, amovíveis, como é o caso, a garantia não será de cinco, mas de três anos [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12].

4. Ora, ante os dados oferecidos, a garantia estará prestes a extinguir-se (“finais” de 2025).

5. Como remédios, ou a reparação da placa ou a sua substituição, em prazo razoável e sem grave inconveniente para o consumidor (em princípio, 30 dias), sendo que nada lhe deve ser exigido em termos de encargos (a garantia é gratuita) [DL 84/2921: al. a) do n.º 1 do art.º 15 e al. a) do n.º 2 do art.º 18].

6. A opção entre reparação e substituição do bem cabe ao consumidor [DL 84/2021: n.º 2 do art.º 15].

7. A haver reparação, o consumidor beneficia de uma garantia adicional de seis meses com um limite de quatro reparações [DL 84/2021: n.º 4 do art.º 18].

8. Sucede, porém, que “decorrido o prazo [de dois anos], cabe ao consumidor a prova de que a [não] conformidade existia à data da entrega do bem”: é a denominada “prova diabólica” dificilmente alcançável [DL 84/2021: n.º 4 do art.º 13].

9. Já no que tange à data a partir da qual a garantia se conta, não é, ao que se nos afigura, nem a data

. da compra da placa eléctrica pelo promotor; nem a

. da sua instalação; nem a

. da escritura pública de compra e venda da fracção, antes a

. da entrega da chave ao adquirente [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 23].

10. Se resistência houver no que se prende com a integral satisfação dos seus direitos, o consumidor dispõe de dois anos para o correspondente exercício após a denúncia da não conformidade, sob pena de caducidade [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 17].

 

  EM CONCLUSÃO

 

a. Uma placa eléctrica de uma cozinha, em fracção autónoma adquirida com os móveis respectivos, não é parte integrante, ou seja, coisa móvel ligada materialmente ao prédio com carácter de permanência, antes, coisa móvel destacável, amovível (Cód. Civil: n.º 1 do art.º 205).

b. Donde, a garantia legal não ser de 5, mas de 3 anos (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12).

c. Como a avaria se verificou no 3.º ano, após a entrega das chaves, cumpre ao consumidor fazer prova de que a não conformidade existia já momento da entrega (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 13).

d. O momento da entrega das chaves (e não qualquer outro) é o que conta para efeitos da garantia (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 23).

e. Ao consumidor cabe exigir (se prova fizer) ou a reparação da placa ou a substituição, à sua escolha (DL 84/2021: n.º 2 do art.º 15)

f. A reposição de conformidade terá de se fazer, em princípio, em 30 dias (DL 84/2021: n.º 3 do art.º 18).

g. Se se proceder à reparação, à garantia legal acrescerá - por cada uma das operações até ao limite de quatro - uma garantia adicional de seis meses (DL 84/2021: n.º 4 do art.º 18)

h. Se o promotor imobiliário não satisfizer os direitos decorrentes da garantia, a acção para o efeito instaurar-se-á em dois anos após a comunicação da não conformidade, sob pena de caducidade (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 17).

 

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

  

Mário Frota

presidente emérito da apDC - Direito do Consumo -, Portugal

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Jornal As Beiras - 26-12-2025