Com a entrada em vigor da Lei da Compra e Venda de Consumo, no 1.º de Janeiro de 2022, as pessoas, a que o fenómeno não escapara, começaram a dizer que a garantia legal das coisas móveis duradouras passara a ser de três (3) anos.
Três anos a contar da data de entrega dos bens ao consumidor.
E, como causa ou motivo da garantia, qualquer das não conformidades, em si mesmo consideradas, que a lei previra:
n Não corresponderem à descrição, ao tipo, à quantidade e à qualidade e não detiverem a funcionalidade, a compatibilidade, a interoperabilidade e as demais características constantes do contrato
n Não serem adequados a qualquer finalidade específica a que o consumidor os destinasse, de acordo com o convencionado entre partes;
n Não serem entregues com os acessórios e instruções, nomeadamente de instalação, como estipulado no contrato; e
n Nem serem fornecidos com as actualizações, como ali previsto.
Para além das não conformidades objectivas, que antecedem, as que respeitam aos sujeitos da relação:
n Serem adequados ao uso dado aos bens da mesma natureza;
n Corresponderem à descrição e possuírem as aptidões da amostra ou modelo apresentado nos preliminares negociais;
n Serem entregues com os acessórios, inclusive a embalagem, instruções de instalação ou outras de acordo com as expectativas do consumidor...;
n Corresponderem à quantidade e às qualidades e outras características (durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança) habituais e expectáveis em bens de análogo tipo, considerando, designadamente, a sua natureza e qualquer declaração pública do fornecedor (e terceiros que o vinculem e em que se inclui) o produtor, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
A noção de não conformidade é mais ampla que a de vício, defeito, avaria que as leis anteriormente consagravam.
E o facto é que Portugal, em lugar de se cingir aos dois (2) anos de garantia que a Directiva (lei europeia) de 20 de Maio de 2019 consagrara, como mínima, seguiu sobretudo a Espanha e outorgou uma garantia legal de três (3) anos.
Com excepção da Suécia (que também se fixou nos 3 anos), os mais Estados-membros (com a Finlândia a sufragar um regime aparentemente maois benévolo) deixaram-se ficar pelos dois (2) anos.
Mais a singularidade de Portugal fazer acrescer a garantia legal de mais um (1) ano é algo de falacioso. Com efeito, a lei estabelece:
“O [fornecedor] é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.”
E, no que tange à prova da não conformidade, define:
“ A [não] conformidade que se manifeste num prazo de dois anos a contar da data de entrega do bem presume-se existente à data da entrega do bem...”
O consumidor beneficia de uma presunção legal de dois anos.
Já no terceiro ano, impende sobre o consumidor a denominada “prova diabólica”, ou seja, a demonstração de factos impossíveis (o extremamente difíceis de obter): “decorrido o prazo [de dois anos], cabe ao consumidor a prova de que a [não] conformidade existia à data da entrega do bem”.
Com a noção alargada de conformidade, ainda se entrevê, no limite, ao menos, uma hipótese em que tal seja possível.
Por exemplo: se, como aconteceu, uma marca nipónica de veículos automóveis, “propagandear” que aquele híbrido consome, aos 100 km., 3,8 lts. de combustível, e se vier a verificar que, em condições de regularidade, excede em muito um tal índice, aí será, em princípio, possível a prova pela recolha, ao tempo, da publicidade, resgatando-se a garantia legal no terceiro ano.
No mais, é de um logro que se trata porque pôr a cargo do consumidor que o fogão, a arca congeladora, o aspirador, o veículo, no terceiro ano de funcionamento, apresenta uma não conformidade existente já à data da entrega do bem, é algo de falacioso e de menor probidade de banda do legislador.
Já não bastava apresentar-se o operador económico, quantas vezes, a lançar mão de artifícios, sugestões e embustes para enredar na sua trama o consumidor, agora é o próprio legislador, travestido de político de mil manhas, a pretender dar ao consumidor algo que lhe retira de imediato por fazer recair sobre si o encargo de uma prova que ele jamais conseguirá produzir, excluídos os casos-limite a que atrás se alude...
Para haver uma garantia autêntica, três anos têm de ser três anos, não dois!
Ao legislador para que emende a mão e se descarte de manobras que só aos “vendedores de banha da cobra”, noutro quadrante, “se tolera”, se é que se tolera!
O legislador não pode “vender gato por lebre”!
E foi o que aconteceu no caso... sempre e só contra o nosso mais veemente protesto!
Mário Frota
Presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO -, Portugal

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