”Fiz um contrato, por dois anos, com a MEO.
A MEO continuou a prestar-me o serviço, mesmo depois de findo o contrato. Pelo mesmo valor. Depois de haver recusado um novo contrato, segundo eles, com mais vantagens e menor preço.
Pretendo agora que me larguem da mão, mas dizem-me que o contrato se prorrogou automaticamente por mais dois anos. Por isso, terei de pagar.”
Perante os factos, cumpre dizer de nossa justiça:
1. De entre os modos de extinção das relações obrigacionais complexas (como no caso destes contratos), figura a caducidade: o contrato cai ao chegar ao fim como o fruto maduro cai da árvore; ao fim dos dois anos, tempo da sua duração, o contrato extingue-se, cessa, não se mantém.
2. A menos que do seu clausulado conste a renovação, o contrato chega ao seu termo “por vontade das partes” nele expressa (Código Civil: art.º 406).
3. A Lei das Comunicações Electrónicas de 2022 admite, porém, a prorrogação automática de um contrato findo o período de duração:
“Nos casos em que um contrato com período de fidelização… preveja a respectiva prorrogação automática, após a prorrogação, os [consumidores] têm o direito de [o] denunciar em qualquer momento, com um pré-aviso máximo de um mês, sem incorrer em quaisquer custos, excepto os relativos à utilização do serviço durante [tal] período.” [Lei 16/22: n.º 1 do art.º 132]
4. No entanto, sempre que do contrato não conste a sua renovação sucessiva e automática, a relação jurídica cessa, como chegam ao fim os seus efeitos.
5. E ainda que a prorrogação nele figure, é lícito ao consumidor pôr-lhe termo a qualquer tempo, conquanto haja de observar, no máximo, um pré-aviso de um mês [Lei 16/2022: n.º 1 do art.º 132 “in fine”].
6. Se os serviços continuarem a ser prestados, após a caducidade do contrato, “sibi imputet”: a responsabilidade pelo facto cabe em exclusivo à empresa que não ao consumidor.
7. De harmonia com a Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento, no capítulo das práticas proibidas:
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…
2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.” [DL 24/2014: art.º 28].
8. A empresa nem sequer abateu na prestação, que continuou a cobrar por inteiro (sem que o devesse fazer), o valor correspondente à amortização dos equipamentos inteiramente cumprida, enriquecendo, injusta, ilicitamente… por duas vezes!
9. A empresa nada tem de cobrar pela ”nova e imposta” fidelização, antes lhe compete proceder à devolução dos montantes que arrecadou durante os meses em que continuou a prestar-lhe abusivamente serviço.
10. Numa interpretação sistemática, parece avisado dizer-se que se o reembolso se não fizer em 14 dias após a notificação do facto, a empresa obriga-se a devolver em dobro, no prazo de 15 dias úteis, os montantes pagos pelo consumidor, sem prejuízo do direito à indemnização por danos materiais e morais causados [DL 24/2014: n.º 6 do art.º 12].
11. Constitui contra-ordenação económica muito grave a violação ao disposto no n.º 1 do artigo 28 [DL 24/2014: n.º 1 do art.º 31].
12. Em se tratando de grande empresa, como no caso da MEO, a coima oscilará entre os 24 000 e os 90 000 € [DL 09/2021: sub. v da alínea c) do art.º 18].
13. Ponto é saber se não se está ainda perante um crime de especulação com pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35].
EM CONCLUSÃO
a. Um contrato de comunicações electrónicas por dois anos caduca logo que passe o seu tempo de duração, se dele não constar eventual prorrogação.
b. Se a empresa continuar a prestar o serviço sem se ter previsto eventual prorrogação, nem por isso o contrato se renova e prossegue.
c. O silêncio do consumidor não vale consentimento [DL 24/2014: n.º 2 do art.º 28]
d. Os valore, entretanto, pagos pelo consumidor terão de ser devolvidos na íntegra e, em caso de mora, em dobro e em 15 dias úteis [Dl 24/2014: n.º 6 do art.º 12].
e.
Constitui contra-ordenação
económica muito grave a prestação de serviços não solicitada: coima de 24 000
a 90 000 € para grande empresa [DL 09/2021: sub. al. V da al. c) do art.º 18]
f. Pode estar-se ainda perante um crime de especulação com penas de prisão de 6 meses a 3 anos e multa de não menos de 100 dias [DL 28/84: art.º 35].
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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