sexta-feira, 11 de julho de 2025

CONTRATO CADUCADO, SERVIÇO CONTINUADO, PAGAMENTO ESCUSADO… MONTANTE ESTORNADO!


”Fiz um contrato, por dois anos, com a MEO.

A MEO continuou a prestar-me o serviço, mesmo depois de findo o contrato. Pelo mesmo valor. Depois de haver recusado um novo contrato, segundo eles, com mais vantagens e menor preço.

Pretendo agora que me larguem da mão, mas dizem-me que o contrato se prorrogou automaticamente por mais dois anos. Por isso, terei de pagar.”

 Perante os factos, cumpre dizer de nossa justiça:

 1.    De entre os modos de extinção das relações obrigacionais complexas (como no caso destes contratos), figura a caducidade: o contrato cai ao chegar ao fim como o fruto maduro cai da árvore; ao fim dos dois anos, tempo da sua duração, o contrato extingue-se, cessa, não se mantém.

 2.    A menos que do seu clausulado conste a renovação, o contrato chega ao seu termo “por vontade das partes” nele expressa (Código Civil: art.º 406).

 3.    A Lei das Comunicações Electrónicas de 2022 admite, porém, a prorrogação automática de um contrato findo o período de duração:

 “Nos casos em que um contrato com período de fidelização… preveja a respectiva prorrogação automática, após a prorrogação, os [consumidores] têm o direito de [o] denunciar em qualquer momento, com um pré-aviso máximo de um mês, sem incorrer em quaisquer custos, excepto os relativos à utilização do serviço durante [tal] período.” [Lei 16/22: n.º 1 do art.º 132]

 4.    No entanto, sempre que do contrato não conste a sua renovação sucessiva e automática, a relação jurídica cessa, como chegam ao fim os seus efeitos.

 5.    E ainda que a prorrogação nele figure, é lícito ao consumidor pôr-lhe termo a qualquer tempo, conquanto haja de observar, no máximo, um pré-aviso de um mês [Lei 16/2022: n.º 1 do art.º 132 “in fine”].

 6.    Se os serviços continuarem a ser prestados, após a caducidade do contrato, “sibi imputet”: a responsabilidade pelo facto cabe em exclusivo à empresa que não ao consumidor.

 7.    De harmonia com a Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento, no capítulo das práticas proibidas:

 “1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens… ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

 2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.” [DL 24/2014: art.º 28].

 8.    A empresa nem sequer abateu na prestação, que continuou a cobrar por inteiro (sem que o devesse fazer), o valor correspondente à amortização dos equipamentos inteiramente cumprida, enriquecendo, injusta, ilicitamente… por duas vezes!

 9.    A empresa nada tem de cobrar pela ”nova e imposta” fidelização, antes lhe compete proceder à devolução dos montantes que arrecadou durante os meses em que continuou a prestar-lhe abusivamente serviço.

 10.  Numa interpretação sistemática, parece avisado dizer-se que se o reembolso se não fizer em 14 dias após a notificação do facto, a empresa obriga-se a devolver em dobro, no prazo de 15 dias úteis, os montantes pagos pelo consumidor, sem prejuízo do direito à indemnização por danos materiais e morais causados [DL 24/2014: n.º 6 do art.º 12].

 11.  Constitui contra-ordenação económica muito grave a violação ao disposto no n.º 1 do artigo 28 [DL 24/2014: n.º 1 do art.º 31].

 12.  Em se tratando de grande empresa, como no caso da MEO, a coima oscilará entre os 24 000 e os 90 000 € [DL 09/2021: sub. v da alínea c) do art.º 18].

 13. Ponto é saber se não se está ainda perante um crime de especulação com pena de prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias [DL 28/84: art.º 35].

 

EM CONCLUSÃO

a.    Um contrato de comunicações electrónicas por dois anos caduca logo que passe o seu tempo de duração, se dele não constar eventual prorrogação.

 b.    Se a empresa continuar a prestar o serviço sem se ter previsto eventual prorrogação, nem por isso o contrato se renova e prossegue.

 c.    O silêncio do consumidor não vale consentimento [DL 24/2014: n.º 2 do art.º 28]

 d.    Os valore, entretanto, pagos pelo consumidor terão de ser devolvidos na íntegra e, em caso de mora, em dobro e em 15 dias úteis [Dl 24/2014: n.º 6 do art.º 12].

 e.    Constitui contra-ordenação económica muito grave a prestação de serviços não solicitada: coima de 24 000 a 90 000 € para grande empresa [DL 09/2021: sub. al. V da al. c) do art.º 18]

 f.     Pode estar-se ainda perante um crime de especulação com penas de prisão de 6 meses a 3 anos e multa de não menos de 100 dias [DL 28/84: art.º 35].

  

Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário

Tolerância de ponto no Natal e Ano Novo: Para quem e como funciona?

O Governo vai conceder tolerância de ponto aos trabalhadores que exercem funções públicas nos próximos dias 24, 26 e 31 de dezembro, mais ...