‘INFORMAR PARA PREVENIR’
‘PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR’
18 de Março de 2025
I
INTRÓITO
VL
O Regulador das Comunicações emitiu recentemente um comunicado que reflecte o panorama das reclamações e da conflitualidade no sector que é indubitavelmente o mais reclamado-
Qual o teor do comunicado, Professor?
MF
Reclamações no Sector das Comunicações
caem 3% em 2024
Em 2024, a ANACOM registou cerca de 104,1 mil reclamações escritas contra prestadores de serviços de comunicações, menos 3% e menos 3 mil reclamações do que em 2023. As comunicações electrónicas foram as mais reclamadas, com 62,3 mil reclamações (60% do total de reclamações), menos 11% face ao período homólogo. Em contrapartida, as reclamações sobre serviços postais aumentaram 12% em 2024, para 41,8 mil reclamações (40% do total do sector).
Nas reclamações relativas a comunicações electrónicas, a NOS foi o prestador que registou mais reclamações em termos absolutos (37%) e continua a ser o prestador com mais reclamações por mil clientes (7,7 reclamações por mil clientes). A Vodafone foi o segundo prestador de serviços mais reclamado em 2024 (34% do total), com uma taxa de reclamações de 5,8 por mil clientes. A MEO é responsável por 26% do total de reclamações e apresenta a menor taxa de reclamação, 3,2 reclamações por mil clientes.
De salientar, que em 2024, todos os prestadores de serviços de maior dimensão viram diminuir as reclamações face a 2023. A MEO registou a maior diminuição (-18%), seguida da Vodafone (-13%) e da NOS (-3%).
Destaque, ainda, para a entrada da DIGI no mercado nacional no último trimestre de 2024, que alcançou quase 1% das reclamações do sector (0,9%), sendo responsável por 0,5 mil reclamações recebidas pela ANACOM, sobretudo motivadas pela demora na portabilidade de número móvel, a demora ou ligação inicial deficiente de serviços fixos e a dificuldade no acesso e funcionamento das linhas telefónicas.
A faturação de serviços foi o assunto mais reclamado, com 18 mil reclamações, dominado pela Vodafone, que foi responsável por 38% das reclamações relacionadas com os valores facturados. A contratação de serviços foi o segundo assunto mais reclamado, com destaque para a NOS, responsável por 39% destas reclamações, seguida das falhas nos serviços e do cancelamento do serviço, assuntos nos quais também dominaram as queixas contra a NOS (responsável por 38% e 43% destas reclamações, respectivamente).
RESUMO DA NOTA DO RGULADOR
RECLAMAÇÕES ESCRITAS - + 104 000
Comunicações electrónicas - as mais reclamadas, com 62,3 mil reclamações (60% do total de reclamações); remanescente (40%) para os serviços postais
EMPRESAS MAIS RECLAMADAS
NOS (- 37%) e 7,7 / 1 000 / clientes
VODAFONE - (34%), 5,8 / mil clientes.
MEO - 26% - 3,2 / mil clientes
DIGI (surge no último trimestre) - (0,9%), 0,5 / mil reclamações: v. g., demora na portabilidade de número móvel, a demora ou ligação inicial deficiente de serviços fixos e a dificuldade no acesso e funcionamento das linhas telefónicas.
TIPOLOGIA DAS RECLAMAÇÕES
FACTURAÇÃO DE SERVIÇOS – 1.º + reclamado
Vodafone - 38%
CELEBRAÇÃO CONTRATO – 2.º + reclamado
NOS - 39%
FALHAS NOS SERVIÇOS
NOS – 38%
CANCELAMENTO DO SERVIÇO
NOS - 43%
DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA
Lisboa, Setúbal e Faro - + mais de 100 / 10 mil habitantes
Comunicações electrónicas-
Setúbal - 80 / 10 mil habitantes.
Açores - - (menos) reclamações: 14 reclamações / 10 mil habitantes.
VL
E no que se refere às reclamações nos serviços postais? Aumentaram ou diminuíram?
MF
Aumentaram consideravelmente.
Falta de tentativa de entrega no domicílio continua a dominar as reclamações postais
Nos serviços postais, que somaram 41,8 mil reclamações, mais 12% em termos homólogos, os CTT foi o operador mais reclamado, com 33,7 mil reclamações, mais 10% face a 2023, e representando cerca de 81% do total.
A DPD também viu aumentar as suas reclamações em 10% neste período, registando 3,7 mil reclamações. O conjunto de outros prestadores menos reclamados (UPS, General Logistics, CEPII, DHL, entre outros), que representa ao todo cerca de 11% das reclamações recebidas pela ANACOM sobre serviços postais, registou mais cerca de mil reclamações neste período (+31% face a 2023), sobretudo motivadas pela DHL Parcel e a UPS.
A falta de tentativa de entrega no domicílio continua a ser o motivo mais mencionado nas reclamações sobre serviços postais, constituindo 21% do total de reclamações do sector e 18% das reclamações contra os CTT. Entre os motivos que mais aumentaram face a 2023, destaca-se o atraso na entrega de correio normal nacional.
Em termos geográficos, Lisboa, Setúbal e Faro são os distritos que registam as maiores taxas de reclamação sobre serviços de comunicações, com mais de 100 reclamações por 10 mil habitantes, em 2024. Nas comunicações eletrónicas, o distrito de Setúbal é o que apresenta a maior taxa de reclamações, 80 por 10 mil habitantes. A Região Autónoma dos Açores originou menos reclamações nestes serviços, com 14 reclamações por 10 mil habitantes.
Já nos serviços postais, Faro foi o distrito que mais se destacou, com cerca de 65 reclamações por 10 mil habitantes, enquanto Bragança registou a menor taxa de reclamação, com 12 reclamações por 10 mil habitantes.
RESUMO
SERVIÇOS POSTAIS - 41,8 mil reclamações (12% + que em 2023)
MAIS RECLAMADO
CTT - 33,7 mil reclamações (10% face a 2023), cerca de 81% do total.
A DPD - 3,7 mil reclamações (+ 10% )
MENOS RECLAMADOS - UPS, General Logistics, CEPII, DHL, entre outros) - 11% das reclamações (+31% face a 2023), sobretudo motivadas pela DHL Parcel e a UPS.
TIPOLOGIA DAS RECLAMAÇÕES
• A falta de tentativa de entrega no domicílio - 21% do total de reclamações do sector e 18% das reclamações contra os CTT.
• Atraso na entrega de correio normal nacional – com percentagem recorde
REGIÕES
Faro - distrito onde mais se reclamou - 65 reclamações por 10 mil habitantes
Bragança - menor taxa de reclamação - 12 reclamações por 10 mil habitantes.
II
CONSULTÓRIOS
Serviços Públicos | Contratos Privados
Reclame primeiro, pague depois!
VL
“Apresentaram-me uma conta muito elevada de água. E exigem que a pague. Só que não corresponde ao meu consumo, que é irrisório. É que, dizem-me, nos serviços públicos só se pode reclamar depois de pagar. E é isso que consta do contrato. Sem mais nem menos: é isso que consta do contrato.”
MF
Apreciando e opinando:
1. Para os serviços públicos vigora, em geral, a máxima proveniente do direito romano: “solve et repete” (“pague primeiro, reclame depois!)!
2. Porém, para os serviços públicos essenciais (água, energia eléctrica, gás natural, comunicações electrónicas…), cujos contratos têm a peculiaridade de ser contratos de consumo, a regra que vigora é a dos contratos privados: cada um dos contraentes tem o direito de recusar a prestação enquanto o outro não cumprir devidamente as suas obrigações.
3. Se o fornecedor se propuser cobrar a mais, se não especificar o montante exigido, se não apresentar a factura de harmonia com a lei, é lícito ao consumidor não pagar, reclamando no livro respectivo.
4. As empresas concessionárias vêm, porém, com o beneplácito dos reguladores, impondo nos contratos, à revelia de princípios e normas, que se pague primeiro, reclamando-se depois.
5. Esta cláusula é naturalmente abusiva. Está incursa nas proibições da Lei das Condições Gerais dos Contratos. E, por isso, deve ser excluída ou por imposição dos reguladores ou por reacção dos consumidores.
6. Se houver resistência dos fornecedores, é de recorrer aos tribunais arbitrais de consumo. Aos quais os fornecedores hoje se não podem furtar. Pedindo-se, logo e como medida cautelar, que o fornecedor não use o “corte” como meio de coagir a pagar, definindo-se os termos do que deve pagar, se for o caso.
7. Ademais, a Lei dos Serviços Públicos Essenciais confere aos consumidores o direito à quitação parcial: o de só pagar o devido, recusando o mais. E o fornecedor tem de dar quitação do que se pagar (passar o documento que prova o pagamento ou recebimento).
CONCLUSÃO:
a. O consumidor não tem de pagar uma factura cujo valor não corresponda ao que consumiu;
b. Pode reclamar, primeiro, pagando só após se decidir da reclamação.
c. E pode pagar o devido, do que o fornecedor dará quitação parcial.
d. Se do contrato constar a cláusula “pague primeiro, reclame depois”, pode invocar a sua nulidade, por abusiva, perante o tribunal arbitral.
III
DÍVIDAS A SERVIÇOS DE SAÚDE: DUALIDADE DE REGIMES?
VL
“Curiosidades: no dia 19 de Abril de 2021, recebi uma carta do Hospital Garcia de Orta, E.P.E., assinada pelo Senhor Gonçalo Raimundo, director do Serviço de Gestão Financeira - Almada, a informar que era devedor de exames médicos que um dia fiz (???) ou não - a 23 de Outubro de 2014. E teria de pagar 6,80 € até ao dia 17 de Maio de 2021.
Como vai este País?! 7 (sete) anos depois vêm cobrar-me uma dívida de um tal montante? Será que a dívida existe? Ou não?
Para os serviços públicos essenciais não é de 6 (seis) meses a prazo para apresentação das facturas a pagamento?
Pergunto eu:
A mesma é válida ou já passou a sua validade?”
M.A.B. – Almada
MF
1. Conquanto os serviços de saúde sejam de todo um serviço público essencial, é de serviços fora de catálogo que se trata.
2. Como serviços essenciais ínsitos no catálogo, citem-se os de fornecimento de água, de energia eléctrica, de gás natural, de gás de petróleo liquefeito canalizado, de comunicações electrónicas, de serviços postais, de transportes públicos de passageiros, de saneamento e de recolha de resíduos sólidos urbanos (lixos).
3. Com efeito, os serviços públicos essenciais (os que no catálogo figuram) beneficiam, por razões de equilíbrio dos orçamentos familiares, de uma prescrição de curto prazo – de 6 meses (Lei dos Serviços Públicos Essenciais: art.º 10.º).
4. No que aos serviços de saúde se refere, dois prazos de prescrição se perfilam:
4.1. Tratando de serviços, na esfera de entidades privadas, o prazo de prescrição é de 2 anos (Código Civil: alínea a) do art.º 317)
4.2. Tratando-se de serviços de saúde, na órbita do Estado, o prazo de prescrição é de 3 anos (DL 218/99, de 15 de Junho: art.º 3.º).
4.3. Tratando-se, porém, de serviços privados de saúde com convenção ou em articulação com o Serviço Nacional de Saúde, a prescrição não será de 2, mas de 3 anos, segundo parece.
Cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20 de Novembro de 2014 (Relatora: Isoleta Almeida Costa), cujo sumário é do teor seguinte:
“1. Fazem parte do Serviço Nacional de Saúde todos os serviços e entidades públicas prestadoras de cuidados de saúde, designadamente os agrupamentos de centros de saúde, os estabelecimentos hospitalares, independentemente da sua designação, e as unidades locais de saúde, conforme lei orgânica do Ministério da Saúde, Decreto-Lei n.º 124/2011, de 29 de Dezembro, artigo 7.º n.º 2, e ainda as entidades particulares e profissionais em regime liberal integradas na rede nacional de prestação de cuidados de saúde, quando articuladas com o Serviço Nacional de Saúde - cfr. artigo 2.º do Estatuto do SNS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro e Base XII da Lei de Bases da Saúde, Lei 48/90 de 24 de Agosto.
2. O regime legal previsto no DL 218/99, de 15 de Junho, cujo objecto visa as dívidas de instituições do SNS, só tem aplicação a créditos reclamados por hospitais privados que tenham convenção com o SNS quando os cuidados de saúde prestados o tenham sido no âmbito de convenção ou em articulação com o SNS.
3. Cabe ao devedor o ónus de invocar que a prestação de serviços ocorreu no âmbito de convenção ou protocolo com o SNS se quiser prevalecer-se da prescrição de créditos a que se refere o DL 218/99, de 15 de Junho (art.º 342 n.º 2 do Código Civil).”
5. Por conseguinte, tratando-se, como na vertente situação, de pretensa dívida gerada no seio de um estabelecimento público empresarial (o Hospital Garcia de Orta), o prazo de prescrição é de 3 anos, contado do termo do serviço de exames a que o cidadão reclamante se terá submetido: de 23 de Outubro de 2014 (já decorreu mais de 6 anos e 6 meses sobre um tal evento).
6. De harmonia com o Código Civil, “o tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público” (Código Civil: art.º 303).
7. Donde, para que a prescrição da dívida possa aproveitar ao consumidor, ter de a invocar por carta, expedida por correio, com toda a segurança (registo com aviso de recepção) ou por outro meio inequívoco, de que fique comprovativo da recepção.
EM CONCLUSÃO:
a. As dívidas a estabelecimentos de saúde públicos (ou a tal equiparados) prescrevem em 3 anos.
b. Para que a prescrição possa valer, no caso, ao cidadão reclamado, terá de a invocar por carta por ter sido interpelado a pagar por meio de carta.
c. Para maior segurança, a carta deve ser expedida sob registo e com aviso de recepção.
IV
CONTRATO EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL
“NÃO SATISFAZ… E NÃO SE DESFAZ?”
VL
“Na sequência de um contacto pessoal, de rua, em que havia a promoção de um produto novo e sugestivo, fui conduzida ao estabelecimento e aí acabei por comprar um aspirador de mão.
Verifiquei, em casa, após o entusiasmo inicial, que a coisa para nada me servia.
Pretendi proceder à devolução. O gerente foi peremptório:
“contrato celebrado no estabelecimento ou é a contento (só fica se gosta) ou é sem arrependimento (não gosta, mas não reposta)”
MF
“Contrato em estabelecimento é contrato para valer: ‘não satisfaz mas não se desfaz’!”
Com efeito,
1. A compra e venda em estabelecimento, salvo se celebrada a contento (no caso de a coisa agradar ao consumidor) ou sujeita a prova, ou se padecer de vício (a desconformidade da coisa com o contrato, em que se lançaria mão da garantia legal ou comercial), não permite que o consumidor se retracte (dê o dito por não dito) sem consequências (isto é, sem os encargos daí advenientes).
O contrato, segundo uma velha máxima romana, tem de ser cumprido” (“pacta sunt servanda”): quem o incumprir responde por isso.
2. Só que, no caso, a Lei dos Contratos à Distância e Fora de Estabelecimento de 14 de Fevereiro de 2014 considera como contratos fora de estabelecimento os celebrados em dadas circunstâncias, a saber:
2.1. no domicílio do consumidor (contratos porta-a-porta);
2.2. no local de trabalho do consumidor (contratos no trabalho);
2.3. em reuniões em que a oferta seja promovida por demonstração perante um grupo de pessoas reunidas no domicílio de uma delas, a pedido do fornecedor (ou seu representante) (contratos no decurso de reuniões “tupper-ware”);
2.4. durante uma deslocação organizada pelo fornecedor (ou seu representante) fora do respectivo estabelecimento comercial (contratos com base em ofertas “tipo” “conheça a… Galiza grátis”);
2.5. no local indicado pelo fornecedor, a que o consumidor se desloque, por sua conta e risco, na sequência de uma comunicação comercial feita por aquele (ou seu representante) (contrato por convite a contratar);
2.6. no estabelecimento comercial do fornecedor ou através de quaisquer meios de comunicação à distância imediatamente após o consumidor ter sido, pessoal e individualmente, contactado em local que não seja o do estabelecimento (contratos em decorrência de contactos de rua).
3. Os contratos celebrados em estabelecimento comercial do fornecedor imediatamente após contacto pessoal e expresso, em local que não seja o do estabelecimento, são havidos como se o fossem fora dele.
4. E gozam dos mesmos direitos que os contraentes que os hajam celebrado fora de estabelecimento.
5. Tais contratos, de acordo com o artigo 9.º da lei, serão reduzidos a escrito e devem, sob pena de nulidade, conter, de forma clara e compreensível e em língua portuguesa, as informações contratuais de a a z previstas na lei, em que figura exactamente o direito de retractação, o de dar o dito por não dito, em 14 dias após a entrega da coisa.
6. Não tendo sido reduzido a escrito, tal contrato é nulo: a nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser conhecida de ofício pelo tribunal.
7. Por conseguinte, não dispõe de 14 dias para se desfazer do aspirador (o que em circunstâncias normais, no quadro da concreta hipótese de facto, ocorreria, com excepção dos contratos ao domicílio ou celebrados no decurso de excursão promovida pelo fornecedor, em que o período de tempo para o exercício do direito de desistência ou de retractação é de 30 dias, que não de 14), mas de todo o tempo. Convindo agir, de qualquer forma, com a rapidez que as circunstâncias impõem.
8. A subsistir o diferendo, poderá então recorrer a qualquer dos órgãos jurisdicionais e não jurisdicionais competentes: se optar pelo tribunal arbitral e o não houver no distrito em que reside, recorra ao Centro Nacional de Informação e Arbitragem de Conflitos de Consumo, sediado em Braga, cujo Tribunal Arbitral Nacional tem supletivamente competência territorial para o efeito.
EM CONCLUSÃO:
1. Um contrato celebrado em estabelecimento mediante convite pessoal e individual beneficia do regime dos contratos fora de estabelecimento.
2. Tais contratos estão sujeitos a forma: se não forem reduzidos a escrito ou noutro qualquer suporte duradouro são nulos e de nenhum efeito.
3. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser apreciada oficiosamente pelo tribunal.
4. A nulidade tem, como efeitos, a devolução da coisa e a restituição do preço.
V
“Quem te manda a ti, sapateiro, tocar rabecão?!”
VL
De uma consumidora de Alenquer:
“A oficina recusa-se a reparar uma avaria que provocou. Em vésperas de inspecção, pedi que colocassem um espelho no veículo. Ficou mal colocado. O vidro agora não desce todo. Só até meio... Ninguém mexeu no interior da porta. A oficina não assume a responsabilidade. E até o espelho, que comprei como novo, é usado e tem riscos… O que posso fazer, já que recorri a uma tal “D…” que me diz que tenho de me entender com a oficina? A oficina já nem o telefone me atende!”
MF
É que a reparação
Tem também uma garantia
São 3 anos sem excepção
E sem qualquer ‘amnistia’…
1. Afigura-se-nos que se está primacialmente perante uma situação de cumprimento defeituoso da obrigação a cargo da oficina de reparação automóvel.
2. “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor” (Código Civil: art.º 798).
3. No entanto, a Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 2021, em cujo corpo se consagra a garantia das coisas móveis e imóveis, define:
“O presente [regime] aplica-se aos bens [reparados] no âmbito de um contrato de prestação de serviços”(DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do seu art.º 3.º).
4. De harmonia ainda com o que nela se dispõe:
“o profissional é responsável por qualquer [não] conformidade que se manifeste no prazo de três anos a contar da entrega do bem.” (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12): 3 anos, pois, de garantia em resultado do serviço prestado.
5. Perante a recusa do prestador de serviço em repor a conformidade do bem por meio da reparação, é lícito à consumidora pôr termo ao contrato, expedindo notificação nesse sentido e exigindo a restituição do montante pago (DL 84/21: iii al. a) do n.º 4 do art.º 15; ).
6. O direito de pôr termo ao contrato (de o resolver, como diz a lei) exerce-se mediante declaração dirigida ao profissional em que se transmite um tal propósito: por carta, correio electrónico ou qualquer outro meio susceptível de prova (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 20).
7. O que obriga, no caso, a oficina a reembolsar, em 14 dias, o consumidor do preço pago pela reparação não conforme (DL 84/2021: n.º 6 do art.º 20).
8. Se o montante do preço pago não for devolvido em 14 dias, comete o profissional um ilícito de mera ordenação económica grave cuja coima vai de € 1.700 a € 3.000 por se tratar, no caso, de uma micro-empresa (menos de 10 trabalhadores) e é susceptível de variar consoante a dimensão da empresa (DL 84/21: n.º 6 do art.º 20; al. e) do n.º 1 do art.º 48).
9. A reclamação perante as recusas da oficina será deduzida no Livro de Reclamações disponível na empresa ou em suporte electrónico (DL 156/2005: art.º 4.º)
10. Se a oficina, entretanto, resistir à pretensão da consumidora, e não houver hipótese outra de o solucionar, é de recorrer ao Tribunal de Conflitos de Consumo de Lisboa, solicitando a reparação dos prejuízos materiais e morais em que incorreu (Lei 63/2019: art.º 3.º).
EM CONCLUSÃO
a. É de cumprimento defeituoso que se trata, o que impõe ao devedor (oficina) a obrigação de reparar o prejuízo causado (Código Civil: art.º 798)
b. No entanto, a Lei da Compra e Venda de Bens de Consumo aplica-se não só à compra e venda como a outras modalidades contratuais, designadamente ao contrato de prestação de serviços (DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º)
c. A reparação goza, pois, de análogo modo, da garantia de três anos (DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12).
d. Se a reparação for recusada após serviço defeituoso, há que pôr termo ao contrato com a restituição do preço pago (DL84/2021: iii al. a) do n.º 4 do artigo 15)
e. Restituição em 14 dias sob pena de contra-ordenação económica grave, no caso (micro-empresa), de € 1.700 a € 3.000 (DL 84/2001: e) do n.º 1 do art.º 48).
f. A reclamação deduzir-se-á no Livro respectivo (DL 156/2005: art.º 4.º).
g. No limite, recurso ao Tribunal Conflitos de Consumo de Lisboa para se dirimir o litígio (Lei 24/96: n.º 2 do art.º 14).
Sem comentários:
Enviar um comentário