quarta-feira, 20 de novembro de 2024

ATAÚDES ROLANTES: TUDO COMO DANTES?


RALPH NADER, ante a precariedade da segurança dos veículos saídos das fábricas da General Motors, lançou em 1965 o “Unsafe at Any Speed: The Designed-In Dangers of the American Automobile”, que teve a maior retumbância.

O livro é  como que um libelo acusatório aos fabricantes de automóveis pela resistência à introdução de artefactos de segurança (como os cintos e o mais) e sua geral relutância em abrir os cordões à bolsa para prover à segurança dos veículos.

Foi pioneiro em tal  trabalho com substanciais referências aos materiais para o círculo da indústria.

O livro foi “best seller” no domínio da não-ficção em 1966.

Com o seu activismo e a introdução de estritas medidas de segurança por leis a que deu origem, salvou comprovadamente 3.5 milhões de vidas desde 1965.

A circulação de veículos usados nem sempre, a despeito da evolução das inspecções periódicas obrigatórias, obedece a requisitos de segurança.

Há uma curiosa e bem fundamentada decisão da Relação de Lisboa, de 02 de Maio de 2002, pelo punho da então desembargadora Ana Maria Boularout, nestes termos:

“I- O comprador de veículo usado tem sempre o direito, imperativamente, à garantia de um ano quanto ao bom estado e bom funcionamento do veículo, sendo que aquele [… e ] o vendedor poderão estabelecer um regime mais favorável, mas o que não podem é restringir o limite imposto por lei nem afastá-lo.

II- Desta sorte, o consumidor a quem tenha sido vendido um veículo automóvel usado defeituoso poderá exigir a redução do preço ou até a [extinção] do contrato, independentemente de culpa do vendedor, salvo se este o houver informado previamente – antes da celebração do contrato -, sendo irrelevantes quaisquer declarações do comprador a renunciar à mesma por nulidade de tal renúncia.

III- A idade do veículo não poderá constituir, sem mais, qualquer óbice à operância das exigências técnicas para a venda…

IV- Mesmo que a reparação do veículo seja eventualmente superior ao seu custo, "sibi imputet" [a si mesmo, ao vendedor, tal se imputa], pois é sobre o vendedor que impende uma especial atenção, atenta a actividade comercial desenvolvida, de verificar a qualidade dos bens vendidos de forma a não lograr as expectativas de quem os adquire nem ficar prejudicado, pois tal dever de verificação tem um duplo objectivo”

Ao tempo, a garantia era de um ano imperativamente.

A partir de 2003, passou a ser, no mínimo, de um ano, por negociação, que a garantia legal passou aos 2 anos.

A solução do acórdão visava, como prevenção geral, retirar de circulação os ataúdes rolantes que, com o maior desaforo, circulavam pelas nossas estradas.

Dizer ataúde rolante é dizer “caixão com rodas”…

A solução da lei hoje é distinta:

“O profissional [vendedor ou fabricante] pode recusar repor a conformidade dos bens se a reparação ou a substituição for impossível ou impuser custos desproporcionados, tendo em conta as circunstâncias como o valor que os bens teriam se não se verificasse a falta de conformidade e a relevância da falta de conformidade.”

A reposição de conformidade pode ficar, pois, comprometida se o montante da reparação for superior ao valor por que o veículo fora vendido.

Admite-se o recurso ao meio alternativo de reposição de conformidade sem inconvenientes significativos para o adquirente.

O consumidor não fica, porém, “descalço”. Confere-se-lhe a opção entre a redução proporcional do preço e a extinção do contrato quando o  vendedor ou o fabricante:

·         Não tiver efectuado a reparação ou a substituição;

 ·         Tiver recusado expressamente repor a conformidade da coisa:

 ·         Tiver declarado ou resultar com evidência das circunstâncias que não  reporá a coisa em conformidade em prazo razoável (os 30 dias) ou sem graves inconvenientes para o consumidor;

 ·         Se a desconformidade tiver reaparecido apesar da tentativa do vendedor ou da marca de repor a coisa em conformidade;

 ·         Se ocorrer nova desconformidade;

 ·         Sempre que a  gravidade da desconformidade justificar a imediata redução do preço ou a extinção do contrato.

 Será importante ter, na complexidade das coisas,  a noção dos direitos que nos cabem para se agir consequentemente.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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