sexta-feira, 4 de outubro de 2024

CONSULTÓRIO CONSUMIDOR

 


(edição de sexta-feira, 04 de Outubro de 2024)

A DOENÇA MAL CURADA DOS CONTRATOS DE SAÚDE…

 converte-se em aleijão crónico?

 

“A Medicare telefonou-me  a oferecer um conjunto de serviços de um pretenso plano de saúde que, pelas coberturas, vi logo que não me satisfazia.

Mandou-me, entretanto, dias depois, o contrato em que se estruturara o plano, sem que eu me manifestasse.

Considerou, entretanto, o contrato celebrado e passou a exigir-me a anuidade, ainda assim considerável, ao que me escusei dizendo que o leque de serviços era muito aquém do que esperava e, daí, que não considerassem a minha vinculação aos seus termos.

A Medicare considerou o contrato celebrado e exige-me sucessivamente as anuidades, inclusivamente da renovação do contrato, que me é inteiramente alheia.

Agora passou a pretensa dívida para a Indebt Group Portugal com grande surpresa minha e sem que o haja autorizado.”

Cumpre opinar:

1.    Um contrato do jaez desses segue os termos dos contratos à distância (DL 24/2014: n.ºs 7 e 8 do art.º  5.º )

 

2.    Tal regime aplica-se, a despeito de não abranger os “contratos relativos a serviços de cuidados de saúde, prestados ou não no âmbito de uma estrutura de saúde …”, o que não é patentemente - e de modo directo - o caso (DL 24/2014: al. f) do n.º 3 do art.º 2.º)

 

3.    Daí que para que o contrato seja válido se exija que o consumidor assine a oferta ou dê o seu consentimento por escrito (DL 24/2014: n.º 8 do art.º 5.º ).

 

4.    Se tal não ocorrer, estaremos em presença de um “não contrato”, de uma situação, não de nulidade, mas de inexistência jurídica, mais grave que uma qualquer invalidade negocial (nulidade ou anulabilidade ou invalidade mista).

 

5.    Se o contrato fosse válido, ainda assim haveria a hipótese de, em 14 dias, se exercer o direito de desistência ou de retractação, salvo se do contrato tal não constasse e, aí, aos 14 dias acresceriam 12 meses dentro dos quais se poderia “dar o dito por não dito” (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 10.º).

 

6.    A cedência de dívidas (de pretensas dívidas…) e o uso de dados pessoais sem expressa autorização do seu titular vedada se acha (DL 446/85: al. l) do art.º  18; Reg.to 2016/679: al. a) do n.º 1 do art.º 6.º)

 

7.    A violação das regras dos contratos à distância constitui ilícito de mera ordenação social [contra-ordenação económica grave passível de coima que, segundo a dimensão da  empresa, pode oscilar entre os 1 700 € (mínimo para as micro-empresas) e os 24 000 € (máximo para as grandes empresas) (DL 24/2014: n.º 2 do art.º 31; DL 09/2021: al. b) do art.º 18).

 

8.    A violação das regras relativas à transmissão de dívidas constitui contra-ordenação económica muito grave, com um leque de coimas de 3 000 € (mínimo: micro-empresas) a 90 000 € (máximo: grandes empresas) (DL 446/85: n.º 1 do art.º 34-A; DL 9/2021: al. c) do art.º 18).

 

9.    A violação pelo uso de dados pessoais constitui contra-ordenação muito grave e, tratando-se de PME, com coimas de 2 000 a 2 000 000 € ou 4% do volume de negócios anual, a nível mundial (o mais elevado) (Lei 58/2019: al. b) do n.º 1 e al. b) do n.º 2 do art.º 37).

 

 

 

 

EM CONCLUSÃO

a.    Um plano de saúde negociado por telefone, por iniciativa da empresa, exige a remessa do clausulado, nele se vertendo a assinatura do consumidor (cfr. nºs 1 a 3).

 

b.    Contrato celebrado por telefone sem o consentimento do consumidor por escrito é um “não contrato”: está ferido de INEXISTÊNCIA JURÍDICA.

 

c.    Se o contrato fosse válido (com o consentimento por escrito ou a aposição da assinatura na oferta), só seria eficaz se, havendo cláusula nesse sentido, o consumidor se não retractasse no lapso de 14 dias para reflexão ou ponderação (cfr. n.º 5).

 

d.    Não constando do contrato uma tal cláusula, só seria eficaz se, após os 14 dias e dentro de 12 meses, o consumidor não desse o dito por não dito (cfr. n.º 5).

 

e.    A transmissão da dívida sem o prévio assentimento do consumidor constitui cláusula  absolutamente proibida, configurando um ilícito de mera ordenação social (contra-ordenação muito grave) (cfr. nºs 6 e 8).

 

f.      Tratando-se de utilização dados pessoais cujo emprego se não acha consentido, eis-nos perante uma contra ordenação económica grave passível de coima  (cfr. n.º 9).

 

Salvo melhor juízo, eis o que se nos afigura.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

Sem comentários:

Enviar um comentário

ISTO É O POVO A FALAR

  T4 - Direitos do Consumidor com Mário Frota #32 - ISTO É O POVO A FALAR. Ver mais