sexta-feira, 14 de junho de 2024

CERCO AO CIGARRO NOS EUA

Indenização determinada por júri do Estado da Flórida é a mais alta já concedida no país
Fumantes ganham ação de US$ 145 bi MARCIO AITH
DE WASHINGTON

Na mais alta indenização judicial da história dos EUA, cinco das maiores fabricantes de cigarros norte-americanas foram condenadas por um júri a pagar US$ 145 bilhões como punição a danos causados a fumantes numa ação coletiva no Estado da Flórida.
A decisão não é definitiva e as indústrias, lideradas pela Philip Morris, maior fabricante de cigarros do mundo, informaram que irão recorrer. "Nenhuma empresa no mundo, muito menos um país, pode pagar uma indenização como essa sem quebrar", disse, depois da decisão, o advogado da Philip Morris, Dan Webb. O valor da indenização definida ontem equivale a duas vezes tudo o que a economia de um país como o Chile produz num ano.
O júri, composto por seis pessoas (apenas um fumante), ordenou a Philip Morris, fabricante do "Marlboro", a pagar US$ 73,9 bilhões. A R.J. Reynolds foi condenada a pagar US$ 36,28 bilhões, a Brown & Williamson, US$ 17,59 bilhões, a Lorillard Tobacco, US$ 16,25 bilhões e a Liggett Group, US$ 790 milhões. O júri condenou ainda duas associações de pesquisa ligadas às indústrias a pagar indenizações menores.
Embora tenha provocado uma ligeira queda no valor das ações das fabricantes de cigarro em Wall Street, a decisão não as afetou significativamente. "Os investidores acham que as indústrias vão acabar ganhando esse processo nas instâncias superiores ou postergando seu pagamento por décadas", explicou à Folha David Edelman, analista do setor tabagista do banco de investimentos Morgan Stanley Dean Witter.
A ação coletiva foi movida inicialmente por dois fumantes com câncer e pelo marido de uma terceira pessoa que morreu por danos causados pelo fumo. A novidade do caso é que, apesar dos protestos da indústria do fumo, a Justiça decidiu, em 1996, julgá-lo como um processo coletivo, o que abriu caminho para a indenização anunciada ontem.
Por ser coletiva, a ação representa também os cerca de 700 mil fumantes no Estado, ainda não identificados. Se quiserem, esses fumantes poderão ingressar no processo como beneficiários e pedir indenizações adicionais específicas, de caráter pessoal, chamadas de "indenizações compensatórias". No ano passado, o mesmo júri concedeu aos três autores iniciais da ação uma indenização de US$ 12,7 milhões.
Caso a decisão de ontem não seja derrubada pelo tribunais superiores, os fumantes da Flórida não precisarão provar que foram enganados pela indústria de cigarros para obter indenizações pessoais. Bastará mostrar que sofrem ou sofreram algum tipo de doença relacionada com o fumo.
"Como os fumantes não foram identificados, trata-se de uma decisão em favor de ninguém e não terá impacto algum sobre a indústria", disse o advogado Webb. "Mesmo se o julgamento prevalecer, seriam necessários 75 anos para que todos os pedidos individuais fossem julgados. Só depois disso é que a indústria começaria a pagar alguma coisa." O advogado dos fumantes, Stanley Rosenblatt, discorda. "Isso ainda não foi decidido pelo juiz", afirmou.

Mais novo perigo
As ações coletivas representam a mais nova e perigosa frente judicial contra a indústria do fumo. Em 1998, as principais indústrias de cigarro nos EUA concordaram em pagar US$ 246 bilhões, até o ano de 2020, a 46 Estados norte-americanos que pediam indenizações pelos gastos que tiveram com tratamento de saúde de doenças causadas pelo fumo.
As indústrias chegaram a propor que o acerto incluísse também ações coletivas. As indústrias pagariam um pouco mais, mas evitariam sofrer ações coletivas como a que foi julgada ontem. A proposta foi descartada porque, por limitar o direito de cidadãos entrarem na Justiça, ela precisaria ser aprovada pelo Congresso.
Desde 1998, já foram apresentadas 28 ações coletivas contra a indústria do fumo. Ao menos 26 delas foram derrubadas sob o argumento de que não se pode colocar numa ação coletiva fumantes com problemas de saúde diferentes e que começaram a fumar em condições distintas.
Apenas a ação da Flórida foi julgada. Até hoje, as indústrias de cigarro não pagaram nada em ações movidas por pessoas. Todas as ações que resultaram em condenações foram derrubadas em instâncias superiores.
A indenização fixada ontem é a mais alta já determinada por um júri norte-americano. A condenação anterior mais elevada, de US$ 22 bilhões, havia sido concedida em 1996 por um júri do Havaí em favor de um caçador de tesouros que dizia ter sido roubado pelo ex-presidente filipino Ferdinand Marcos. A decisão acabou reformada pelos tribunais superiores.

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