sexta-feira, 3 de maio de 2024

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR


 (que deveria ter sido publicado na edição de hoje, 03 de Maio de 2024, do diário ‘As Beiras, de Coimbra, e não foi, naturalmente por razões de espaço)

 Almoço com a Mulher inquinado por uma colher…

 

De Almeirim:

“Fui há dias à Bairrada com a família para um leitão. Correu tudo bem até vir a conta: cobraram por uma ‘musse’, que custava 1.25€, o valor de 2.12€. Com o argumento de que se pedira duas colheres. Paguei, mas acho uma parvoíce. Qualquer dia acaba-se o romantismo e as idas aos restaurantes, porque quis recriar a primeira saída com a minha mulher, precisamente naquele sítio, e fiquei deveras desapontado.

Que comentário lhe merece esta situação?”

 Eis o que se nos oferece dizer:

1.    Há quem entenda que desde que cumprido o requisito da informação prévia, clara e compreensível é legal o procedimento; nesse sentido, AHRESP, associação do sector, e Direcção-Geral do Consumidor (“Guia de Regras e Boas Práticas na Restauração e Bebidas”): legal, mas desaconselhável…

2.    A informação terá de constar da ‘lista de preços’ -  Regime Jurídico do Acesso e Exercício do Comércio, Serviços e Restauração (DL 10/2015: art.º 135):

 “1 - Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:

a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;

b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.

2 - Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por ‘couvert’ o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.

3 - Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado. …”

 3.    No entanto, é entendimento nosso que, no momento em que se contrata, em que se encomenda a sobremesa, como no caso, tem de haver informação prévia e expressa, ainda que oral, ou por remissão para a lista de preços, como advertência de que por cada colher a mais se cobrará um suplemento de 87 cêntimos, para que não haja surpresas no momento da apresentação da factura da refeição (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 8.º).

 4.    Se tal não tiver acontecido, e a cobrança se efectuar, estar-se-á perante conduta susceptível de configurar crime de especulação, previsto e punido na Lei Penal do Consumo: prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias (DL 28/84: art.º 35).

 5.    Se os suplementos pelos pratos e talheres não constarem da lista de preços, estar-se-á ainda perante contra-ordenação económica grave em razão da violação do art.º 135 do DL 10/2015, consoante o talhe da empresa (DL 138/90: n.º 1 do art.º 5.º, n.º 1 do art.º 10.º e art.º 11.º; DL 10/2015: al. a) do n.º 1 do art.º 135, art.º 143;  DL 9/2021: art.ºs 22 e 138):

 

o   Micro-empresa (de 1 a 9 trabalhadores ) –            1 700 a  3 000 €

o   Pequena empresa (de 10 a 49 trabalhadores) –   4 000 a  8 000 €

o   Média empresa (de 50 a 249 empresas) –            8 000 a 16 000 €

o   Grande empresa (de 250 e mais trabalhadores –12 000 a 24 000 €

  6.    Competente para o efeito, como órgão de polícia criminal e regulador do mercado em geral, a ASAE – Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, para onde deverão ser carreadas as reclamações, mormente as constantes do Livro de Reclamações.

 EM CONCLUSÃO

a.    A cobrança por pratos e talheres para além da conta por cabeça, em caso de partilha de alimentos (em que se incluem as sobremesas), constitui suplemento que deve constar de modo  visível, inequívoco, fácil e perfeitamente legível da “lista de preços” (cfr. n.ºs 2 e 5).

b.    No momento da encomenda deve o consumidor ser advertido do acréscimo, do suplemento (antes de contratar o que quer que seja) ou por remissão para a “lista” ou verbalmente (cfr. n.º 3).

 c.    Se os suplementos não constarem da lista de preços, configurar-se-á um ilícito de mera ordenação social (contra-ordenação económica grave) passível de coima e de sanção acessória, consoante a grelha predisposta no lugar próprio (cfr. n.º 5).

 d.    Se a cobrança se efectuar sem prévio conhecimento do acréscimo ou suplemento, configurar-se-á um crime de especulação cuja moldura comporta prisão e multa (cfr. n.º 4).

 Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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