quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

CONSULTÓRIO DO CONSUMIDOR

 


‘As Beiras’

(16 de Fevereiro de 2024)

 De estimativas em estimativas

a facturas putativas…

 

Reclamação à  EDP Comercial:

“Somos dois octogenários, com hábitos de consumo muito moderados, como convém à nossa condição: até 16 de Outubro de 2023 a facturação ter-se-á baseado em estimativa, o que parece não se justificar já que a fracção se acha dotada de contador inteligente.

A partir daí, ao que parece, as leituras terão sido reais e os valores mais que duplicaram: Outubro - € 155,56, Novembro - € 352,26 e Dezembro -  € 597,12.

Em Novembro a permanência em casa foi escassa: praticamente só com o frigorífico ligado.

Estes valores põem em causa o orçamento doméstico, que não suporta estes desvarios do fornecedor

Um descalabro autêntico.

Que fazer?”

 Apreciada a factualidade, há que formular a resposta:

1.    A Constituição da República consagra, como fundamental, no n.º 1 do seu artigo 60, o direito à protecção dos interesses económicos do consumidor.

 2.    A Lei-Quadro de Defesa do Consumidor de 1996 recorta, no seu artigo 9.º, um tal direito; um dos corolários do princípio é aquele segundo o qual “o consumidor deve pagar só o que consome na exacta medida do que e em que consome”.

 3.    Logo, da facturação por estimativa resulta tanto a subfacturação (por defeito) como a sobrefacturação (por excesso): em qualquer das hipóteses (na primeira, com os desequilíbrios gerados pelos encontros de contas, na segunda, com o financiamento gracioso do fornecedor e a afecção desmesurada dos orçamentos domésticos, como no caso) se fere de morte o princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor.

 4.    As normas permissivas da facturação por estimativa são inconstitucionais por violação do n.º 1 do art.º 60 do Texto Fundamental.

 5.    Suscitada a questão perante a Provedora de Justiça, entendeu, por juízo de oportunidade e conveniência, que não de legalidade, como lhe competia, não propor a acção de declaração de inconstitucionalidade com fundamento em que em 2027 todos os lares estariam dotados de contadores inteligentes: o reverberável descaso da Provedora continua a  permitir agressões continuadas à bolsa dos consumidores.

 6.    O que  se recomenda à consumidora é que deduza a competente reclamação e não pague a factura dos cerca de 600 €, que ora lhe exigem, ou instrua a instituição de crédito a que não debite tal montante  em conta, por transferência, se for o caso, pagando tão só quando a reclamação se achar em definitivo resolvida.

 7.    O enriquecimento ilícito, ainda que a prazo, dos comercializadores em caso de sobrefacturação, constitui um atentado à Carta de Direitos do Consumidor. E parece não haver quem valha, na circunstância, às vítimas.

 8.    No limite, recorra aos tribunais arbitrais de conflitos de consumo a fim de dirimir o litígio: interessante saber se aos juízes árbitros será lícito declarar a inconstitucionalidade das normas permissivas dos regulamentos que se acham na base da facturação por estimativa usada desbragadamente pelos fornecedores.

 9.    Os consumidores, sempre que as facturas apresentadas o sejam com base em estimativas, deveriam em bloco exercer o boicote a tais medidas como forma de forçar a mão aos fornecedores a que se afeiçoem às leis que respeitem a Constituição e os seus princípios.

 EM CONCLUSÃO

a.    A facturação dos serviços de interesse económico geral, como no caso das energias, tem de ser real que não ‘estimada’, em obediência ao princípio da protecção dos interesses económicos do consumidor (CRP: n.º 1 do art.º 60)

 b.    Em caso de facturação por estimativa, haja ou não sobrefacturação, deve o consumidor recusar-se a pagar, exigindo do fornecedor  que da facture constem os dados reais de consumo e os montantes realmente devidos.

 c.    O consumidor só deve pagar, no caso, a factura que resultar de uma fundada apreciação da reclamação e só quando os termos da decisão se tornarem definitivos.

 d.    É certo que a EDP dispõe de um Provedor do Cliente, que actua em sede de  reapreciação da decisão inicial, mas se a  controvérsia subsistir deve recorrer ao competente tribunal arbitral de conflitos de consumo para se dirimir a lide com a independência e a imparcialidade que caracterizam estes órgãos de resolução alternativa de litígios.

 

É este, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC –DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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