sexta-feira, 25 de agosto de 2023

CONSULTÓRIO do CONSUMIDOR


 (edição de 25 de Agosto de 2023 do diário ‘As Beiras’, editado em Coimbra)

 

‘Ó QUE INDIZÍVEL TORMENTO’

TER DE FAZER ORÇAMENTO…

QUE TORPE DESCARAMENTO!

NEM ‘LEMBRAVA’ A UM ‘JUMENTO’!

 

“Figueira da Foz: Uma oficina de reparação automóvel. De cadeia internacional. Um veículo com uma dada avaria. Orçamento requerido. Papel sem indicações e uma cifra: 200 €. Reparação que se arrasta. Instados, notícia de que havia que enviar uma dada peça para rectificação. Novo papel com o montante da ‘dolorosa’: 1 500€. Até o cabelo, já de si ralo,  se nos arrepia. Exigência de um orçamento em termos. Resposta do responsável pela oficina: contactados os advogados da empresa, uma certeza: o orçamento não é obrigatório. Nem dada qualquer garantia que é de uma simples prestação de serviços que se trata.”

M.B. – F.F.

Inteirados da factualidade, cumpre dizer o que a tal propósito se nos oferece:

1.    O orçamento, com efeito, não é obrigatório.

 2.    Só o será se o cliente (consumidor ou não) o exigir: e o consumidor, na circunstância, exigiu-o…, logo há que o apresentar em termos formais.

 3.    O DL 10/2015, 16 de Janeiro (regime jurídico de acesso e exercício de actividades de comércio, serviços e restauração), consagra inequivocamente, no seu artigo 39:

“1 - Quando o preço não seja pré-determinado ou quando não seja possível indicá-lo com precisão, o prestador de serviços, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 3 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, e em função da concreta prestação de serviços solicitada, deve fornecer, quando [requerido]  pelo cliente, um orçamento detalhado do qual constem os seguintes elementos:

a) Nome, morada do estabelecimento, número de telefone e endereço electrónico, caso exista;

b) Identificação fiscal e número de registo que consta na Conservatória do Registo Comercial do prestador de serviços;

c) Nome, domicílio e identificação fiscal do consumidor;

d) Descrição sumária dos serviços a prestar;

e) Preço dos serviços a prestar, que deve incluir:

i) Valor da mão-de-obra a utilizar;

ii) Valor dos materiais e equipamentos a utilizar, incorporar ou a substituir;

f) Datas de início e fim da prestação do serviço;

g) Forma e condições de pagamento;

h) Validade do orçamento.

2 - O orçamento pode ser gratuito ou oneroso.

3 - Quando o orçamento for oneroso, o preço não pode exceder os custos efectivos da sua elaboração.

4 - O preço pago pela elaboração do orçamento deve ser descontado do preço do serviço sempre que este vier a ser prestado.

5 - O orçamento vincula o prestador de serviços nos seus precisos termos, tanto antes como depois da aceitação expressa pelo destinatário. …”

4.      Logo, sob pena de incorrer em ilícito de mera ordenação social (contra-ordenação económica grave), passível de coima e de sanções acessórias, não pode o fornecedor eximir-se à apresentação do orçamento que o consumidor se propuser requerer [DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20 e art.ºs 24 e 25].

5.    A Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021, na esteira da anterior, aplica-se também a “outros contratos de prestação de serviços” [DL 84/2021: al. b) do n.º 1 do art.º 3.º].

6.     Logo, tratando-se de uma prestação de serviços, não pode o prestador furtar-se à garantia da lei, já que as suas normas são imperativas [DL 84/2021: art.º 51]: 3 anos de garantia do concreto serviço efectuado [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12 ex vi al. b) do n.º 1 do art.º 3.º].

EM CONCLUSÃO

a.      Se o cliente o solicitar, não pode o fornecedor eximir-se à apresentação do orçamento, sob pena de incorrer em contra-ordenação económica grave passível de coima e de sanções acessórias [DL 10/2015: art.º 39 e DL 92/2010: n.º 3 do art.º 20 e art.ºs 24 e 25].

b.     Se se tratar de um contrato de prestação de serviços com um consumidor, a Lei da Compra e Venda dos Bens de Consumo aplica-se inequivocamente a tais hipóteses: donde ter o prestador de serviços de assegurar, na circunstância, uma garantia legal de 3 anos ao resultado da sua intervenção na coisa [DL 84/2021: n.º 1 do art.º 12].

c. O incumprimento leva à extinção do contrato por resolução, a saber, o consumidor terá de ser reembolsado do que pagou.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal

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