quinta-feira, 24 de agosto de 2023

AGRIDOCE VICIAÇÃO DE PROGRAMA PARA COMPLETAR A TRAMA?


E se acaso o vitelão

Tem o preço armadilhado

É CRIME de especulação…

Nem lembrava ao “mais pintado”!

 

A TVI fez-se eco, num domingo recuado, em “prime-time”, de algo do estilo:

Uma promoção - Bife do Redondo de Vitela e Vitelão (de 11,49 € a 9,99 €).

A cliente comprou 534 gr. de carne.

O talão saiu sem descontos. Instado o talhante, pronta resposta: o desconto só na caixa, no acto de pagamento.

Ao pagar, a consumidora não se deu logo conta, mas verificou mais tarde, que em vez dos 534 gr. a “caixa” registara  615 gr. o que, contas feitas, corresponderia a pagar a carne, não a 9,99€, preço marcado para a ‘promoção’, mas a 11,49 €, preço normal, ‘fora de ‘promoção’ “.

E o busílis é que a fraude reside no programa: não há, como terá pretendido a empresa, um qualquer erro informático, o programa faz a conversão imediata do peso real (para mais) para o equivalente ao preço da ‘promoção’, o que confere, no final, com o preço normal sem desconto. O que quer dizer  que multiplicado o peso acrescentado pelo valor da promoção o montante total é equivalente ao peso real vezes o preço praticado antes da promoção. O que quer dizer ainda que a operação anula qualquer promoção. E o consumidor é assim ludibriado. Julga que paga a carne a um preço mais baixo, mas acaba por pagar ao preço de sempre, ao preço antigo.

Artificioso o programa, fraudulento o processo, prejuízo para o consumidor.

A empresa desvaloriza o facto: o consumidor, ao detectar o “erro”, deve denunciá-lo logo para “correcção”; só que presumivelmente o programa não se altera e os consumidores que o não detectarem continuarão a ser ludibriados…, terá dito alguém!”

Louvor à TVI que, sendo alimentada também pela nutrida publicidade do Pingo Doce, mostrou total independência editorial ao denunciar a fraude, numa peça jornalística bem conseguida.

Afigura-se-nos que, no caso, se está perante um crime de falsidade informática, previsto e punido pelo artigo 3.º da Lei do Cibercrime (Lei 109/2009, de 15 de Setembro):

“1 - Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados informáticos ou por qualquer outra forma interferir num tratamento informático de dados, produzindo dados ou documentos não genuínos, com a intenção de que estes sejam considerados ou utilizados para finalidades juridicamente relevantes como se o fossem, é punido com pena de prisão até 5 anos ou multa de 120 a 600 dias.

3 - Quem, actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiro, usar documento produzido a partir de dados informáticos … , é punido com as penas previstas num e noutro número, respectivamente.

…”

3.    Para além do mais, subsiste ainda um crime de especulação previsto e punido pela Lei Penal do Consumo (DL 28/84, de 20 de Janeiro), cujo artigo 35 prescreve, no seu n.º 1:

“Será punido com prisão de 6 meses a 3 anos e multa não inferior a 100 dias quem:

c) Vender bens ou prestar serviços por preço superior ao que conste de etiquetas, rótulos, letreiros ou listas elaborados pela própria entidade vendedora ou prestadora do serviço;

d) Vender bens que, por unidade, devem ter certo peso ou medida, quando os mesmos sejam inferiores a esse peso ou medida, ou contidos em embalagens ou recipientes cujas quantidades forem inferiores às nestes mencionadas.

…”

Ouve-se, vê-se e a boca abre-se-nos de espanto… de orelha a orelha!

Mas como é possível?

Coisas inocentes em que se enredam os consumidores…

Regresse ao talho da esquina, decerto que as artimanhas, se as houver, serão menos bem elaboradas…

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO, Portugal

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