quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

“QUEM NÃO GARANTE QUE NÃO SE ESPANTE…”

 



Imóveis vendidos pelos bancos, sem qualquer garantia?

Mas não era isso que se pretendia?

 

Quem não garante

Como se estabelece

Que não se espante

Pelo que acontece…

CONSULTA

“Uma instituição de crédito pretende vender um prédio que tomou de um consumidor que entrou em incumprimento, isto é, não pagou as prestações a que estava obrigado.

De uma minuta de contrato cheia de cláusulas, algumas pouco compreensíveis, consta uma, segundo a qual o banco se desobriga de eventuais garantias, não assumindo quaisquer responsabilidades caso o prédio venha a apresentar defeitos de construção.

Ora, isto é um risco acrescido para quem compra.

Pergunta-se: o banco não é obrigado a dar a garantia da lei ao consumidor que venha a comprar o prédio?”

 

PARECER

1.    Tratando-se de um contrato de consumo, em que num dos polos se acha uma pessoa colectiva que exerce uma actividade económica com carácter lucrativo e, no outro, um consumidor que adquire o bem para uso próprio ou do seu círculo familiar, rege a Lei das Garantias dos Bens de Consumo de 18 de Outubro de 2021 (Decreto-Lei n.º 84/2021).

 

2.    O prazo de garantia para os imóveis é, de acordo com o que prescreve o n.º 1 do seu artigo 23:

“O [promotor, o construtor, o vendedor] responde perante o consumidor por qualquer não conformidade que exista quando o bem imóvel lhe é entregue e se manifeste no prazo de:

a) 10 anos, em relação a [hipóteses de não] conformidade relativas a elementos construtivos estruturais;

b) Cinco anos, em relação às restantes não conformidades.

…”

3.    De acordo com o artigo 51 da Lei das Garantias dos Bens de Consumo, na esteira do que constava da Lei Antiga de 2003 estabelece imperativamente o que segue:

“1 — Sem prejuízo do regime das [condições gerais dos contratos], é nulo o acordo ou cláusula contratual pelo qual se excluam ou limitem os direitos do consumidor previstos no presente decreto-lei.

2 — É aplicável à nulidade prevista no número anterior o disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 16.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, na sua redacção actual.

3 — O disposto no presente decreto-lei não impede o profissional de propor ao consumidor disposições contratuais que lhe concedam maior nível de protecção.”

 

4.    Por conseguinte, dado o carácter imperativo das normas em que se reconhecem direitos, em geral, ao consumidor, e, em particular, no que se refere à lei em apreciação, a cláusula aposta nos contratos apresentados aos consumidores para subscrição, nestes termos, é nula e de nenhum efeito. Porque desde logo está incursa nas proibições da Lei das Condições Gerais dos Contratos de 25 de Outubro de 1985.

 

5.    As instituições de crédito não se podem eximir a conferir a garantia, nestas circunstâncias, por lei estabelecida.

 

6.    Aliás, os bancos já levaram o seu desaforo longe demais.

 

7.    O Supremo Tribunal de Justiça já apreciou, ao menos numa situação em que tal se suscitou, a questão, ainda sob o império da Lei de 2003.

7.1. Apesar de pareceres de jurisconsultos em contrário, o acórdão, interpretando convenientemente a lei, tanto quanto se nos afigura, veio a decretar o que segue:

“I -É vendedor quem mediante a celebração de um contrato vende um bem de consumo a um consumidor final, no âmbito do exercício corrente de uma actividade que se caracterize ou possa ser definida num determinado contexto económico ou de relações comerciais.

II - Uma instituição de crédito que por efeito de dação em pagamento recebe do empreiteiro imóveis e, em seguida, os vende a particulares deve ser considerada como vendedora no âmbito da sua actividade profissional para efeitos de aplicação da Lei de Defesa do Consumidor.

III- Deste modo, tendo-se provado a existência de defeitos nos imóveis vendidos e não sendo ilidida a presunção de incumprimento dos contratos de compra e venda, é a instituição financeira obrigada a repará-los.”

7.2.     O acórdão foi lavrado pelo Conselheiro Gabriel Martim Catarino e teve a concordância plena dos seus pares (29 de Abril de 2014):

8. Por conseguinte, como se assinalou, uma cláusula do tipo da que vem agora a enxamear os contratos de compra e venda de imóveis, com a chancela dos bancos, tem de ser havida como NULA por violar disposições legais de carácter imperativo.

9. O que distingue o Direito Civil do Direito do Consumo é que, em princípio, as normas civis são supletivas, isto é, podem ser afastadas por vontade das partes, ao passo que no Direito do Consumo são imperativas: ora, não podem, por isso, ser derrogadas pelos contraentes. Fica, porém, na disposição do consumidor a sua invocação, como se acentua noutro passo, se não houver norma cogente mais forte que afaste aqueloutra. E, no caso, há, com efeito, a que resulta da Lei das Condições Gerais dos Contratos que proíbe, nessas circunstâncias, o afastamento das garantias (alínea d) do seu artigo 21).

 

Este é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

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