Trapaça, perturbação, arruaça, agitação: intimação, injunção!
“O senhorio quer a casa que me arrendou há tempos e pretende que saiamos o mais depressa possível, porque vendendo-a livre de pessoas e bens terá maiores vantagens. E anda a fazer-nos a vida negra com gente que nos vai bater à porta a meio da noite a perguntar se alugam quartos e com uma série de tropelias que nos deixam fora de nós.
Além disso, chovem as ameaças por telefone, a desoras também, recorrendo ainda a outros estratagemas pouco próprios, como ameaças de corte de água e de luz, etc.
Já nos queixámos à polícia, que diz nada ter a ver com isso porque é coisa que compete aos tribunais.
O que é que podemos fazer então?”
Perante os factos, a terem-se como reais, cumpre oferecer adequada resposta:
1. Estamos patentemente perante um fenómeno de assédio do locador face ao locatário e seus dependentes.
2. Entende-se por assédio “qualquer comportamento ilegítimo do [locador], de quem o represente ou de terceiro interessado na aquisição ou na comercialização do locado, que, com o objectivo de provocar a desocupação do mesmo, perturbe, constranja ou afecte a dignidade do locatário, sublocatário ou das pessoas que com estes residam legitimamente no locado, os sujeite a um ambiente intimidativo, hostil, degradante, perigoso, humilhante, desestabilizador ou ofensivo, ou impeça ou prejudique gravemente o acesso e a fruição do locado.”
3. Ao locatário se confere o direito, sem prejuízo da responsabilidade civil, criminal ou contra-ordenacional decorrente de acções e omissões em que se consubstancie o assédio, de intimar o locador a tomar providências ao seu alcance no sentido de:
Cessar a produção de ruído fora dos limites legalmente estabelecidos ou de outros actos, praticados por si ou por interposta pessoa, susceptíveis de causar prejuízo para a sua saúde e a das pessoas que com ele residam legitimamente no locado;
Corrigir deficiências do locado ou das partes comuns do respectivo edifício que constituam risco grave para a saúde ou segurança de pessoas e bens;
Corrigir outras situações que impeçam a fruição do locado, o acesso ao mesmo ou a serviços essenciais como as ligações às redes de água, electricidade, gás ou esgotos.
4. A intimação far-se-á nos termos legais, devendo conter a exposição dos factos em que se fundamenta.
5. Em 30 dias contados da recepção da intimação, o locador deve, mediante comunicação ao locatário, mostrar que adoptou as medidas necessárias para corrigir a situação ou apresentar as razões que justifiquem a não adopção do comportamento pretendido.
6. Omitindo o locador a resposta, ou mantendo-se injustificadamente a situação por corrigir, sem prejuízo da responsabilidade civil ou criminal de tais factos resultantes e da possibilidade de recurso aos demais meios judiciais ou extrajudiciais ao seu dispor, pode o locatário:
Requerer uma injunção destinada a corrigir a situação espelhada na intimação; e
Exigir do locador o pagamento de uma sanção pecuniária no valor de 20 € por dia a partir do final do lapso de 30 dias, até que o intimado mostre que foi dado cumprimento à intimação ou, em caso de incumprimento, até que seja decretada a injunção precedentemente prevista.
7. A sanção pecuniária será de 30 € / dia (com um acréscimo de 50%) se o locatário tiver idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 %
8. A intimação caduca, extinguindo-se a respectiva sanção pecuniária, se a injunção não for requerida em 30 dias a contar do termo do prazo anteriormente previsto ou se for, entretanto, indeferida.
9. O assédio também é crime: Código Penal – art.º 154-A:
“1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2 - A tentativa é punível.
3 - Nos casos previstos no n.º 1, podem ser aplicadas ao arguido as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
4 - A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.
5 - O procedimento criminal depende de queixa.”
EM CONCLUSÃO
a. O assédio em matéria de arrendamento urbano perpetrado pelo locador ou por alguém a seu mando é um ilícito com consequências tanto nos planos criminal, como contra-ordenacional e civil.
b. Ao locatário é lícito dirigir ao locador intimação para que cesse as invectivas a esse propósito desencadeadas [Lei 12/2019: art.º 2.º; NRAU: art.os 13-A e s)
c. Se o locador não acatar a intimação, ao locatário se confere a faculdade de requerer uma injunção perante o Serviços de Injunções em Matéria de Arrendamento, exigindo uma sanção pecuniária compulsória à razão de 20€/dia até que se mostre que se deu cumprimento à intimação: se o locatário tiver idade igual ou superior a 65 anos (ou incapacidade igual u superior a 60%) a sanção fixar-se-á em 30€ /dia.
d. A intimação caduca se a injunção não for requerida em 30 dias contados do termo dos 30 dias inicias e, desse modo, se extinguirá a sanção pecuniária compulsória.
e. O assédio, a perseguição, é crime, de harmonia com o Código Penal [Código Penal: art.º 154-A] e depende de participação da vítima.
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
Presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
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