“As Beiras”
17 de Fevereiro de 2023
VENDA A CONTENTO OU SUJEITA A PROVA?
A venda é feita contento
Ou estará sujeita a provas?
Que dizer do pagamento
Co’ ‘ele’ a fazer-se de novas?
“O pai do meu neto ofereceu-lhe um par de ténis pelo aniversário.
Ele não gostou e foi à loja para trocar por outros. Não achando nenhum que lhe agradasse, o lojista deu-lhe um vale de compra no valor dos ténis. Acaba amanhã o prazo do dito vale e, telefonando para lá, foi-lhe dito que, caso não ficasse com outro produto da loja, não seria reembolsado.
Pode ser negado o reembolso do que se pagou? E o dinheiro dado como perdido a favor da loja?”
Importa saber de que contrato se trata: se de venda a contento, se sujeita a prova.
Inclinamo-nos na presente hipótese de facto, ante os usos comerciais, para uma venda a contento.
Recortemos de imediato as hipóteses mais frequentes.
1. Venda a contento ou “ad gustum” (a gosto)
É a que é feita sob reserva de a coisa agradar ao consumidor; e apresenta-se sob duas modalidades:
. a primeira, como mera proposta de venda;
. a segunda, como contrato susceptível de se lhe pôr termo, se acaso a coisa não agradar ao consumidor.
1.1. A proposta considera-se aceita se, entregue a coisa ao consumidor, este se não pronunciar dentro do prazo da aceitação ( 8, 15 dias, o que for…).
1.2. Neste caso, não haverá pagamento porque não há contrato, mas mera proposta contratual: pode haver uma qualquer entrega equivalente ao preço, a título de caução.
1.3. Devolvida a coisa, restituir-se-á na íntegra a caução.
1.4. Se as partes acordarem sobre os termos da extinção do contrato, isto é, sobre a faculdade de ao contrato se pôr termo se a coisa não agradar ao comprador, fixar-se-á um prazo razoável para tal, se nenhum for estabelecido pelo contrato ou, no seu silêncio, pelos usos “comerciais” (que apontavam, de ordinário, para oito dias).
1.5. A devolução da coisa obriga à restituição do preço, na íntegra, de imediato, sob pena de o vendedor incorrer em mora.
2. Venda sujeita a prova
2.1. Considera-se feita sob a condição (suspensiva) de a coisa ser idónea para o fim a que se destina e ter as qualidades garantidas pelo vendedor (a produção dos efeitos do negócio subordina-se a um acontecimento futuro e incerto: o par de ténis só se comprará se servir ao aniversariante).
2.2. A venda pode estar sujeita a uma condição resolutiva, ou seja, aquela segundo a qual as partes subordinam a um acontecimento futuro e incerto a extinção do contrato (p. e., se a coisa não servir ou não ficar bem ao filho, o contrato extingue-se).
2.3. Não sendo o resultado da prova comunicado ao vendedor antes de expirar o prazo (prova feita dentro do prazo e segundo a modalidade estabelecida pelo contrato ou pelos usos comerciais), a condição tem-se por verificada quando suspensiva (isto é, o negócio produz os seus efeitos normais) e por não verificada quando resolutiva (o negócio extingue-se): extinguindo-se o negócio, devolve-se a coisa e restitui-se o preço.
3. Não se admite na circunstância que o comerciante se arrogue o “direito” de embolsar a quantia se, num dado lapso de tempo, o consumidor se não decidir por qualquer produto do seu estabelecimento: é de enriquecimento sem causa que se trate, sem prejuízo de a coisa caber na moldura de um qualquer ilícito criminal (o do abuso de confiança).
4. Em caso de dúvida, diz a lei, presume-se que é de mera proposta contratual que se trata.
EM CONCLUSÃO
a. A venda a contento (sob reserva de a coisa agradar a terceiro), se se frustrar, importa a devolução da coisa e a restituição da caução (no caso de mera proposta contratual) ou do preço (havendo já contrato) [Código Civil: art.os 923 s].
b. A venda sujeita a prova importa de igual modo a devolução da coisa e a restituição do preço se se tratar de condição segundo a qual o contrato se extingue se a prova de todo não resultar [Código Civil: art.º 925].
c. Em caso de dúvida, é de simples proposta contratual que se trata [Código Civil: art.º 926].
d. A retenção ou, o que é mais, a apropriação indevida do preço constitui locupletamento ilícito (enriquecimento sem causa) senão mesmo um ilícito de natureza criminal (abuso de confiança) [Código Civil: art.ºs 473 ss; Código Penal: art.º 205, respectivamente].
Eis o que se nos oferece opinar.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – Direito do Consumo - Coimbra
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