sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Consultório do CONSUMIDOR

 


(edição de 27 de Janeiro de 2023)

 

A recusa de ligar  sem o ‘calote’ solvido,

obrigará a pagar o montante assim devido?

 

 “O meu pai arrendou um apartamento a uns estudantes estrangeiros. Meses depois, alegando dificuldades económicas, abandonaram a fracção e deixaram por pagar a água, as comunicações electrónicas, a energia eléctrica, o gás…

Nas Águas, disseram-nos que poderia arrendar a fracção a outrem sem que quer o proprietário quer o novo inquilino tivessem de pagar as contas em dívida. Mas que se o proprietário viesse a ocupar ele mesmo o prédio, teria de pagar o atrasado com todas as alcavalas, multas, juros e taxas de religação…

Parece-nos estranho, mas foi o que nos afiançaram. Será legal?”

Presente a questão, cumpre oferecer a solução que da lei decorre.

1.    Se não tiver havido intervenção do proprietário, comproprietário, usufrutuário ou titular de qualquer outro direito que o habilite a dar de arrendamento o prédio ou a fracção autónoma em causa, na celebração do contrato de fornecimento de água predial, o responsável pelas obrigações dele emergentes é exactamente aquele que tomou de arrendamento o imóvel ou uma das suas fracções.

 2.Se o arrendatário deixar o prédio sem efectuar o pagamento de quaisquer facturas, responsável pela dívida é ele e só ele, que não o locador, ou seja, o proprietário, comproprietário, usufrutuário… que haja outorgado o contrato de arrendamento.

 3.    Não pode ser assacada pelo facto responsabilidade nem ao locador nem a um qualquer novo arrendatário, ou seja, a quem lhe vier a suceder na posição de titular do gozo do prédio ou fracção, já que a “locação é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição”, de harmonia com o que prescreve o artigo 1022 do Código Civil.

 4.    De resto, o diploma que estabelece, entre outros, o “regime jurídico dos serviços municipais de abastecimento público de água”, manda, no n.º 7 do seu artigo 63, que Não pode ser recusada a celebração de contratos de fornecimento e de recolha com novo utilizador com base na existência de dívidas emergentes de contrato distinto com outro utilizador que tenha anteriormente ocupado o mesmo imóvel, salvo quando seja manifesto que a alteração do titular do contrato visa o não pagamento do débito[DL 194/2009: n.º 7 do artigo 63].

 5.    Por conseguinte, quer o novo utilizador seja um outro qualquer locatário ou o próprio locador, constitui acto ilegal o exigir-se ao proprietário (…) que se substitua no pagamento ao anterior locatário que se ausentou sem pagar tanto esse como qualquer outro serviço público essencial que haja contratado.

 6.    Nada na lei permite concluir como o fez o colaborador das Águas de Coimbra que, naturalmente por manifesta ausência de formação, fornece informações errónea aos cidadãos em geral.

 7.    A recusa da celebração do contrato, nestas condições, constitui contra-ordenação passível de coima de 10.000,00 a 500.000,00 € a infligir à entidade que o assumir: cumpre ao Regulador – ERSAR – a instrução dos autos e a inflição da sanção à entidade infractora [DL 194/2009: alínea m) do n.º 1 do artigo 72 e n.ºs 1 e 2 do artigo 73].

 EM CONCLUSÃO

a.     A recusa da celebração do contrato de fornecimento de água [saneamento e resíduos urbanos] ao proprietário de prédio ou fracção que o pretenda habitar após arrendamento em que o locatário não pagou uma ou mais facturas do seu consumo acha-se expressamente vedada por lei [DL 194/2009: n.º 7 do artigo 63].

 b.     Tal recusa constitui ilícito de mera ordenação social passível de coima, a infligir pelo Regulador à entidade distribuidora, em montante cujo leque é de 10.000,00 a 500.000,00 €.

 Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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