sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Mesmo em segunda mão | a exclusão da garantia| é algo fora de questão | e não se admite franquia


 “O meu filho, que mora na Grande Lisboa, comprou há cerca de 3 meses, num “stand” do Porto, um carro em segunda mão, por 18.500 euros. Dias depois, o carro acendeu as luzes de emergência, pois algo estava a funcionar mal ou não funcionava de todo.

Entrou em contacto com o “stand”, que o aconselhou a enviar o carro para lá para se inteirarem do que se passava,

Dias depois, davam o carro como reparado: um pequeno problema no sistema de abastecimento de combustível, mais propriamente nos bicos injectores.

É de referir que o meu filho trabalha fora de Portugal: um mês num país, 15 dias em casa… Pouco anda, pois, no carro.

Regressou agora de uma das suas estadas: pegou no carro e verificou que voltara a ter o mesmo problema; as luzes vermelhas acendiam e o carro deixava de puxar, chegando mesmo a parar.

O  responsável do “stand”,  muito educadamente, aliás, pediu que o levasse de novo para reparação, mas da conversa o meu filho ter-se-á apercebido que se preparam para descartar responsabilidades porque os bicos injectores se desgastam, com o uso.... e, portanto, estarão fora da garantia.

O vendedor é obrigado ou não a reparar completamente a viatura ou pode muito simpaticamente dizer que o carro necessita de injectores novos e que portanto colocam as peças, não levando dinheiro pela mão d' obra, mas pagando-as o meu filho (e o seu custo ascende ainda a uns milhares de euros)?”

Apreciada a questão, cumpre emitir parecer:

1.     A garantia é de toda a coisa e da coisa toda: e a integridade das partes componentes deve ser assegurada durante o período da garantia legal ou contratual. Em princípio, sem quaisquer restrições.

 

2.     É ao fornecedor que incumbe, ao relançar no mercado veículos usados, fazê-lo de molde a que no decurso da garantia legal não haja necessidade de qualquer intervenção.

 

3.     A garantia de usados, se não tiver havido qualquer acordo em contrário, é de 3 anos, talqualmente para os novos, segundo a Lei Nova.

 

4.     A lei concede, porém, a faculdade de haver, por acordo, uma redução da garantia até aos 18 meses: o que quer significar que a garantia de usados pode ser de 20, 22, 24 meses… nunca, porém, abaixo dos 18 meses.

 5.      A presunção de não conformidade da coisa com o contrato, no caso dos usados, é de 1 ano se a garantia for, entretanto, reduzida por acordo.

 6.     Se se tratar de bem novo, a presunção de não conformidade é de dois anos a contar da data da entrega da coisa.

 7.     Decorrido tal prazo, num e noutro casos, cabe ao consumidor a prova, nem sempre fácil, de que a não conformidade existia já à data da entrega do bem.

 8.     O fornecedor pode, porém,  recusar a reposição da conformidade do bem se a reparação ou a substituição for impossível ou impuser custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias.

 9.     Ao consumidor restará, então,  escolher entre a redução proporcional do preço e o pôr termo ao contrato [a sua resolução], caso o fornecedor:

 9.1.  Não tenha efectuado pura e simplesmente a reparação ou a substituição do bem;

9.2. Não tenha efectuado a reparação ou a substituição do bem [a título gratuito, num prazo razoável  e sem grave inconveniente para o consumidor];

9.3. Tenha recusado expressamente a reposição da conformidade do bem;

9.4. Tenha declarado, ou resulte evidente das circunstâncias, que não vai repor os bens em conformidade num prazo razoável ou sem grave inconveniente para o consumidor;

9.5.A não conformidade tenha reaparecido apesar da tentativa de o fornecedor proceder à reposição;

9.6.  Ocorra uma nova não conformidade; ou

9.7.  A gravidade da não conformidade justifique a imediata redução do preço ou a extinção do contrato [por meio de resolução].

 10.   Por conseguinte, tendo passado apenas escassos meses sobre a compra e venda, cabe, em tais termos, ao fornecedor assegurar em plenitude, na íntegra, a garantia, ou recusar-se a fazê-lo, se com fundamento para tal e com as reacções daí emergentes.

 11.   E a título gratuito, o que quer significar, segundo a lei, “livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade, nomeadamente o custo de porte postal, transporte, mão-de-obra ou materiais”.

 12.   Convém não olvidar que por cada reparação acresce a garantia de seis meses à que resulta da lei ou, no caso, se convencionou. Sem tirar nem pôr.

 13.   Na vertente situação, a garantia, em razão de uma primeira reparação, é já de 24 meses, se acaso tiver havido, por acordo, a redução aos 18 meses ou com prazo superior se por período mais dilatado.

 

EM CONCLUSÃO

 

a.     Efectuada a primeira reparação, no quadro da garantia de usados, que ou é de 3 anos ou, por acordo, de prazo não inferior a 18 meses, o fornecedor poderá recusar a segunda se a reposição de conformidade por meio da reparação for excessivamente onerosa.

b.    E a garantia tem de abarcar toda a coisa e a coisa toda, sem excepções, de modo de todo gratuito.

c.     Se o consumidor o recusar fundadamente, caberá ao consumidor o direito de provocar a redução do preço, mantendo o contrato, ou o de o desfazer, fazendo-o cessar por meio da resolução.

Mário Frota

presidente emérito apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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