sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Ruptura, ruptura, mas com ‘brandura’


(consultório do CONSUMIDOR, que hoje veio a lume no diário ‘As Beiras’, editado em Coimbra)

 

“Foi anunciado em meados de Agosto último que tinha sido aprovada uma Nova Lei das Comunicações Electrónicas.  E que o consumidor poderia agora, sem mais, pôr termo à fidelização, sem ter de suportar qualquer indemnização por incumprimento. Será mesmo assim ou há especulação no que se diz?”

Apreciada a questão, cumpre responder:

1.    A Nova Lei, publicada a 16 de Agosto p.º p.º, só entra em vigor a 14 de Novembro do ano em curso.

 2.    Não há rigor no que se afirma: celebrado o contrato - e observadas as circunstâncias em que o consumidor pode exercer, em 14 ou 30 dias, o direito de retractação [o de dar o dito por não dito], consoante as situações, ao consumidor se exige que o cumpra pontualmente, ou seja, ponto por ponto.

 3.    Só em situações excepcionais é que o consumidor pode romper o contrato sem que se lhe exija eventual compensação. Eis, pois, tais hipóteses:

           Alteração da residência permanente, se a empresa não puder assegurar a prestação do serviço contratado ou equivalente, em particular em termos de características e de preço, no novo domicílio;

          Mudança imprevisível da residência permanente: emigração para país terceiro;

          Situação de desemprego por despedimento ditado pelo dador de trabalho e por facto não imputável ao trabalhador [que implique naturalmente perda do seu rendimento mensal disponível];

          Incapacidade permanente ou temporária para o trabalho, de duração superior a 60 dias, nomeadamente em caso de doença, que implique, pois, perda do rendimento mensal disponível.

          Outras situações cabíveis na moldura de um dispositivo do Código Civil, segundo o qual “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato […] desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte gravemente o princípio da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato.”

4.    O exercício do direito de resolução [ou seja, o de pôr termo ao contrato] deve fazer-se por meio de comunicação escrita,  por correio electrónico [em plataforma prevista e a criar], com a antecedência mínima de 30 dias, e a junção de elementos comprovativos, a saber:

         Alteração do local de residência - documento que o comprove;

         Mudança imprevisível para o estrangeiro - certificado de residência no país de destino ou cópia de contrato de trabalho ou equivalente, comprovativo da mudança;

          Situação de desemprego -  declaração comprovativa da situação, emitida pelo Centro de Emprego ou pela Segurança Social.

          Quebra de rendimentos correspondente a uma redução igual ou superior a 20 % -  calculada por comparação entre a soma dos rendimentos do trabalhador no mês em que ocorre a causa determinante da correspondente alteração e os auferidos no mês anterior.

5.    A extinção antecipada do contrato com fidelização sem causa, motivo ou fundamento [a denúncia do contrato] está sujeita a uma compensação que não pode, no entanto,  exceder o menor dos seguintes valores:

 5.1.A vantagem conferida ao consumidor, como tal identificada e quantificada no contrato celebrado, de forma proporcional às prestações em falta;

 5.2.Uma percentagem das mensalidades que se vierem a vencer:

5.2.1.    Tratando-se do período de fidelização inicial,

 Ø  50 % do valor das mensalidades que se vencerem se a ruptura ocorrer durante o primeiro ano de vigência do contrato e

Ø  30 % do valor das mensalidades se a ruptura se verificar durante o segundo ano de vigência do contrato;

 5.2.2.    Tratando-se de um período de fidelização subsequente

 Ø  sem alteração do lacete local instalado, 30 % do valor das mensalidades que se vencerem até final;

Ø  com alteração do lacete local instalado, aplicam-se os limites estabelecidos em 5.2.1.

 5.2.3.    Por «lacete local» se entende o percurso físico utilizado por sinais de comunicações electrónicas que liga o ponto de terminação de rede nas instalações do utilizador final a um repartidor ou ao recurso equivalente na rede pública de comunicações electrónicas fixas.

 

EM CONCLUSÃO

a.      O consumidor pode, no quadro da Lei Nova das Comunicações Electrónicas, pôr termo, a qualquer tempo, ao contrato com fidelização, em situações como as que nela expressamente se prevêem, sem que o facto acarrete quaisquer encargos ou compensações em favor do fornecedor.

b.     Pode ainda fazê-lo, em geral, e nos mesmos termos, sempre que “as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal.”

c.      Tratando-se de ruptura do contrato com fidelização sem fundamento ou justa causa, os encargos daí advenientes ou as compensações que pelo facto couberem sujeitam-se a percentagens definidas por lei, como explicitamente se prevê em 5 do corpo precedente.

 

Mário Frota

presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal

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