“PREVENIR PARA NÃO REMEDIAR”
12 de Julho de 2022
Miguel Rodrigues
O programa anterior sobre o regime das garantias dos bens de consumo teve uma audiência considerável.
Vamos prosseguir, pois, os esclarecimentos aos nossos ouvintes acerca dos aspectos mais importantes da Nova Lei das Garantias dos Bens de Consumo.
O que nos traz hoje de novidades a este propósito?
Mário Frota
Vimos em que se desdobra a obrigação geral de conformidade, com os requisitos subjectivos e objectivos de conformidade no que se refere às coisas móveis e às coisas móveis com elementos digitais incorporados.
Vejamos quais os direitos dos consumidores em caso de não conformidade.
Miguel Rodrigues
E que direitos são esses ?
Mário Frota
De forma simples:
O direito à reparação, o direito à substituição, o direito à redução proporcional do preço e o direito que se reconhece aos consumidores de pôr termo ao contrato.
Miguel Rodrigues
E como é que os consumidores lidam com esses direitos quando surge uma qualquer não conformidade?
O consumidor pode lançar mão de qualquer dos direitos, à sua livre discrição, ou tem de obedecer a uma espécie de hierarquia, primeiro, a reparação, depois, se a reparação não fosse materialmente possível ou for excessivamente onerosa, a substituição e assim sucessivamente…
Mário Frota
Com efeito, na Lei Antiga, embora houvesse quem erroneamente dissesse o contrário, até no Supremo Tribunal de Justiça, não havia qualquer exigência nesse sentido.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2007, com a chancela do Conselheiro Fonseca Ramos, reza o seguinte:
O comprador de coisa defeituosa pode, por esta ordem, exigir do fornecedor/vendedor:
1º - a reparação da coisa;
2º - a sua substituição;
3º - a redução do preço ou a resolução do contrato, conquanto exerça esse direito, respeitando o prazo de caducidade - art.º 12.º da LDC.”
Esta não era, pois, a solução vertida na lei.
Razão tinha Gaito das Neves que, no seu acórdão de 15 de Março de 2007, ponderava:
“Resulta do artigo 12 n.º 1 da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho, que perante a venda de uma coisa defeituosa, o consumidor pode escolher o remédio que mais lhe convém, sem qualquer ordem sucessória: a reparação da coisa, a sua substituição, a redução do preço, a resolução do contrato.”
Miguel Rodrigues
Mas na Lei Nova há, então, essa hierarquia, não?
Mário Frota
Na Lei nova há um primeiro patamar: o da reposição da conformidade.
E por reposição da conformidade se entende quer a reparação do bem quer a substituição.
Nessa medida, há como que a precedência à reparação ou substituição.
Miguel Rodrigues:
Mas há a obrigatoriedade de começar pela reparação e, se a reparação não for possível ou excessivamente dispendiosa, só depois é que se passará para a substituição ou troca da coisa?
Mário Frota
Não!
A Lei Nova diz a esse propósito que os consumidores podem escolher entre [repito: podem escolher entre] reparação ou substituição.
Por isso, se o consumidor – perante as circunstâncias – entender que os seus direitos ficam mais bem assegurados se enveredar, desde logo, pela substituição, será então a substituição o remédio de que lançará mão.
Miguel Rodrigues
E não há uma qualquer excepção a esse princípio? Ou, de outra forma, o consumidor não pode, em primeiro lugar, escolher logo a via da extinção do contrato? Não pode pôr, desde logo, termo ao contrato?
Mário Frota
Há, com efeito, como bem diz, uma excepção.
E isso prende-se com o denominado ‘direito de rejeição’.
Com efeito, a Lei Nova diz no seu artigo 16, de forma solene:
“Nos casos em que a não conformidade se manifeste no prazo de 30 dias após a entrega do bem, o consumidor pode solicitar a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato.”
Por conseguinte, nos primeiros 30 dias, o consumidor pode logo optar pela extinção do contrato por meio da resolução.
Miguel Rodrigues
Começando pela reparação: o que é que há que dizer a esse propósito?
Mário Frota
Na Lei Antiga, havia um prazo de sessenta dias para a denúncia da não conformidade.
Agora, a denúncia pode ser feita no decurso do período da garantia que é de 3 anos. Sem qualquer prazo restritivo.
Para que a reparação seja possível é indispensável que o consumidor disponibilize os bens sem detença.
Os bens, se forem removidos, sê-lo-ão a expensas, à custa do fornecedor.
A reparação efectuar-se-á:
1. A título gratuito - e a lei dá a noção do que isso é:
“livre dos custos necessários incorridos para repor os bens em conformidade, nomeadamente o custo de porte postal, transporte, mão-de-obra ou materiais.”
2. Num prazo razoável a contar do momento em que o fornecedor tenha sido informado pelo consumidor da não conformidade;
3. Sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que o consumidor os destina.
A privação do uso da coisa obriga o fornecedor a suportar os prejuízos daí decorrentes.
Se o consumidor estiver privado do automóvel durante um determinado lapso de tempo, decerto que terá despesas de deslocação. Que o fornecedor terá, por direitas contas, de suportar.
Se a dona de casa estiver privada da máquina de lavar roupa e tiver de recorrer a uma lavandaria, tais despesas tê-las-á de imputar ao fornecedor. Despesas que de outro modo não teria de suportar se o bem estivesse em boas condições de funcionamento.
O prazo, porém, para a reparação, não deve exceder os 30 dias, salvo em situações em que a natureza e complexidade dos bens, a gravidade da não conformidade e o esforço necessário para a conclusão da reparação justifiquem um prazo superior.
Se a reparação exigir a remoção do bem instalado de uma forma compatível com a sua natureza e finalidade antes de a não conformidade se ter manifestado, a obrigação do fornecedor abrange a remoção do bem não conforme e a instalação de bem reparado, a expensas suas.
Miguel Rodrigues
Ouvi-o dizer em tempos que em caso de reparação havia uma garantia adicional. E como é que isso se concretiza?
Mário Frota
Assim é, com efeito.
Em caso de reparação, o bem reparado beneficia de um prazo de garantia adicional de seis meses por cada uma das reparações até ao limite de quatro reparações, devendo o fornecedor, aquando da entrega do bem reparado, transmitir ao consumidor essa informação.
Portanto, uma garantia, nestes termos, tratando-se de coisa móvel, é susceptível de atingir os 5 (cinco) anos.
Miguel Rodrigues
E que outras características terá a reparação?
Mário Frota
O fornecedor pode recusar a reposição da conformidade dos bens se a reparação for impossível ou impuser custos desproporcionados, tendo em conta todas as circunstâncias.
Miguel Rodrigues
E quais são as particularidades da substituição?
Mário Frota
Para efeitos de substituição, o consumidor deve pôr os bens à disposição do fornecedor, que suportará os encargos respectivos.
A substituição do bem é também efectuada:
1. A título gratuito;
2. Num prazo razoável a contar do momento em que o fornecedor tenha sido informado pelo consumidor da não conformidade;
3. Sem grave inconveniente para o consumidor, tendo em conta a natureza dos bens e a finalidade a que o consumidor os destina.
O prazo para a substituição também não deve exceder os 30 dias, salvo nas situações em que a natureza e complexidade dos bens, a gravidade da não conformidade e o esforço necessário para a substituição justifiquem um prazo superior.
Havendo substituição do bem, o fornecedor é responsável por qualquer não conformidade que ocorra no bem sucedâneo, pelo período de garantia que é o de 3 anos. Ou seja, com o bem de substituição começa um novo prazo de garantia que inere à coisa.
Miguel Rodrigues
E em caso de substituição do bem pode ser cobrada qualquer importância?
Mário Frota
Os tribunais já decidiram assim:
“III - Apurando-se que o veículo vendido, apesar dos defeitos não eliminados, continuou a circular sem limitações na respectiva capacidade de circulação e sem afectar a segurança dos passageiros, percorrendo, em três anos e meio, 59 mil quilómetros, a devolução do valor do veículo a efectuar pelo devedor, em consequência da resolução e como correspectivo da devolução do carro, deve limitar-se ao valor deste, na data do trânsito em julgado.”
Esta é uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 05 de Maio de 2015, com a chancela do Conselheiro João Camilo.
A solução pareceria justa, mas a Lei Nova estabelece imperativamente a contrária, isto é, a utilização normal da coisa não sujeita o consmidor a quaisquer compensações a atribuir ao fornecedor:
“Não pode – em caso de substituição do bem - ser cobrado ao consumidor qualquer custo inerente à normal utilização do bem substituído.”
Miguel Rodrigues
E o que se passa com os outros dois remédios: a redução proporcional do preço e o pôr-se termo ao contrato com a devolução do bem e a restituição do preço pago?
Mário Frota
Se o fornecedor não efectuar:
§ a reparação ou a substituição, pura e simplesmente;
§ a reparação ou substituição a título gratuito ou em prazo razoável;
Ou se o fornecedor
§ Se recusar a repor a conformidade com justa causa ou
§ Declarar, ou resultar evidente, que não os reporá em conformidade em prazo razoável ou sem grave inconveniente;
Se a não conformidade
§ Tiver reaparecido apesar da tentativa de reposição;
§ Ocorrer uma nova não conformidade; ou
§ A gravidade da não conformidade justificar a imediata redução do preço ou a extinção do contrato [por meio da resolução],
Poderá o consumidor lançar mão de tais remédios: a redução do preço ou o pôr-se termo ao contrato.
Miguel Rodrigues
E como se processa a redução do preço?
Mário Frota
Nós entendemos que a redução do preço é residual.
O que os consumidores em regra farão é pôr termo ao contrato.
Mas a REDUÇÃO DO PREÇO obedecerá aos seguintes parâmetros:
q Proporcional à diminuição do valor dos bens recebidos, em comparação com o valor que teriam se fossem conformes.
q O direito à redução proporcional do preço pode ser exercido se a não conformidade tiver levado ao perecimento ou deterioração do bem por causa não imputável ao consumidor.
q Transmissão do direito ao terceiro adquirente, a título gratuito ou oneroso.
Miguel Rodrigues
E a extinção do contrato por meio da resolução como se fará?
Mário Frota
q Não haverá lugar a tal [à resolução do contrato, a pôr-se termo ao contrato] se o fornecedor provar que a não conformidade é mínima [e, portanto, dele não poderá lançar mão o consumidor].
q Direito de o consumidor recusar o pagamento de qualquer parte remanescente do preço até que o fornecedor cumpra as obrigações a que se acha adscrito.
q Tal direito não se estende às prestações em mora.
q O direito exercer-se-á ainda que a não conformidade haja levado ao perecimento ou deterioração do bem por motivo não imputável ao consumidor.
q E transmite-se ao adquirente.
q Tal direito exerce-se por notificação de que se pretende pôr termo ao contrato.
q A notificação far-se-á por carta, correio electrónico ou qualquer outro meio susceptível de prova.
q Se a não conformidade respeitar a uma parte dos bens e houver fundamento para pôr termo ao contrato, o consumidor tem o direito o fazer relativamente tanto ao bem não conforme como a quaisquer outros adquiridos em conjunto.
q O exercício do direito determina a obrigação:
Ø de devolver os bens, a expensas do fornecedor;
Ø de o fornecedor reembolsar o consumidor do preço pago após a recepção dos bens ou de prova da remessa.
Ø O reembolso far-se-á nos 14 dias subsequentes ao da notificação e incluirá, se for o caso, os portes de devolução.
Ø O reembolso far-se-á pelo meio de pagamento adoptado, a menos que haja acordo expresso em contrário, sem que o consumidor incorra em eventuais encargos.
Ø É lícito ao fornecedor proceder à retenção do reembolso enquanto a devolução ou a prova da remessa se não verificar.
Ø O fornecedor procederá, a título gratuito, à remoção dos bens sempre que a situação o exija.
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