quinta-feira, 7 de julho de 2022

E se o bem é expedido, ainda que não pedido, será que o preço é devido?


E se o que for enviado

Sem haver qualquer pedido

Vier a ser reclamado

Não tem de ser devolvido

Nem por tal o preço pago!

Prática que persiste em usar-se é a da remessa de bens sem que os consumidores o solicitem. Mas com ulterior exigência de pagamento do preço.

E há quem caia na “esparrela” e entenda pagar, satisfazendo a pretensão do fornecedor. E por pruridos outros que não cabe analisar na circunstância.

Convém dar a saber ao vulgo o que dizem sucessivas leis, enquadráveis na mancha do Direito do Consumo:

1. Em primeiro lugar, a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor (LDC).

A LDC, no n.º 4 do seu art.º 9.º, estabelece imperativamente:

“O consumidor não fica obrigado ao pagamento de bens ou serviços que não tenha prévia e expressamente encomendado ou solicitado, ou que não constitua cumprimento de contrato válido, não lhe cabendo, do mesmo modo, o encargo da sua devolução ou compensação, nem a responsabilidade pelo risco de perecimento ou deterioração da coisa.”

2. Em seguida, a Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008 (DL 57/2008, de 26 de Março), na alínea f) do seu artigo 12, prescreve:

“São consideradas agressivas, em qualquer circunstância, as seguintes práticas comerciais: …

Exigir o pagamento imediato ou diferido de bens e serviços ou a devolução ou a guarda de bens fornecidos pelo profissional que o consumidor não tenha solicitado, …”.

3. A Lei dos Contratos à Distância e de Outras Práticas Negociais de 14 de Fevereiro de 2014 reza, no seu artigo 28, sob a epígrafe bens não solicitados:

“1 – É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento não solicitado de bens, água, gás, electricidade, aquecimento urbano ou conteúdos digitais ou a prestação de serviços não solicitada pelo consumidor…

2 – Para efeitos do disposto no número anterior, a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitados não vale como consentimento.”

3. E a Lei do Acesso e Exercício de Actividades de Comércio, Serviços e Restauração (DL 10/2015, de 16 de Janeiro) estabelece especificamente, no que tange a alimentos e bebidas não solicitados, no seu artigo 135 o que segue:

“1 – Nos estabelecimentos de restauração ou de bebidas devem existir listas de preços, junto à entrada do estabelecimento e no seu interior para disponibilização aos clientes, obrigatoriamente redigidas em português, com:

a) A indicação de todos os pratos, produtos alimentares e bebidas que o estabelecimento forneça e respectivos preços, incluindo os do couvert, quando existente;

b) A transcrição do requisito referido no n.º 3.

2 – Para efeitos do disposto no presente artigo, entende-se por couvert o conjunto de alimentos ou aperitivos identificados na lista de produtos como couvert, fornecidos a pedido do cliente, antes do início da refeição.

3 – Nenhum prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, pode ser cobrado se não for solicitado pelo cliente ou por este for inutilizado.

…”

5. O que quer significar exactamente a última expressão, já que há muito quem faça uma enorme confusão a tal propósito?

É que não pode ser cobrado qualquer prato, produto alimentar ou bebida, incluindo o couvert, se cliente o não solicitar. Ainda que o coma. Ou que o inutilize.

Se se entender cobrar qualquer valor, seja em que circunstância for, comete o empresário o crime de especulação, previsto e punido pela Lei Penal do Consumo (DL 28/84, de 20 de Janeiro: artigo 35), cuja moldura é a de pena de prisão de 6 meses a 3 anos e de multa não inferior a 100 dias. Para além da contra-ordenação, passível de coima e sanção acessória que, consoante as circunstâncias, pode implicar montantes algo elevados.

apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal

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