Presidente cessante da apDC – DIREITO DO CONSUMO – Portugal (como o pretende – com rigor – Rute Couto), manter-nos-emos neste espaço enquanto a actual presidente, Prof. Doutora Susana Almeida, a instâncias d’ “As Beiras”, o não ocupar com a sua avisada e sábia opinião em domínio em que se move há um ror de anos.
Os anos consomem-se e os negócios de consumo consomem-nos com uma estranha voracidade.
O que dizer do sentido de uma mensagem, presente há escassos dias, de uma cidadã de todo perplexa com este estado de coisas, com este desaforo sem limites, susceptível de se traduzir singelamente em:
“Hoje recebi uma carta com um valor de 2.547.47€ para pagar, da MEO, e eu nunca tive MEO. Liguei para lá e dizem-me que é do tempo em que era ainda PT. Isto não cabe na cabeça de ninguém…”
Contratos dissimulados, contratos forjados, contratos falsificados, contratos em catadupa (quando um só se subscreveria em condições de afeição aos textos) - um cacharolete de situações com que nos brindam as empresas de comunicações electrónicas , outrora inimagináveis.
E as multinacionais douram-se de conceitos “recauchutados”: da “compliance”, tão em voga em determinadas latitudes, à “responsabilidade social” que mascara ignóbeis estratégias mercadológicas, da “absorção dos valores da República”, como ora se pretende em França em oposição ao “wokismo” (e suas derivadas) de pendor norte-americano, à “empresa-igreja ou religião” com as suas hostes de fiéis, como se desenvolve alhures, com “valores próprios” e seus dogmas…
E, no entanto, em Portugal, assiste-se a este descalabro, que atinge níveis insólitos de agressão ao estatuto do consumidor… com uma mole imensa de gente a pagar para não ser incomodada ou a sentir-se incomodada sem saber a que portas bater para vencer a obstinação dos cobradores de fraque, para que se transferem pretensas dívidas inexistentes, aliás, ou somas de há muito prescritas, empresas tais que com enorme descaramento que se passeiam impunemente entre nós!
Quando a PT se instalou no Brasil, um antigo procurador-geral de Justiça (de um dos mais importantes Estados da União) ter-nos-á confidenciado que jamais supusera que uma empresa, oriunda da Europa, pudesse usar de métodos tão ignóbeis para se locupletar ilicitamente (para enriquecer injustamente à custa dos incautos consumidores), como estava a acontecer em Terras de Vera Cruz com a Portugal Telecom…
Os índices de reclamações dos serviços de interesse económico geral ultrapassam todas as previsões, até as mais pessimistas. E, aí, as das comunicações electrónicas levam a palma a quaisquer outros serviços, ora ainda denominados “públicos” e “essenciais”…
Só uma palavra se consente para o panorama a que se assiste: “VERGONHA”!
A recomendação que se consigna às vítimas de tão bizarros métodos de “saque” é que reclamem, reclamem, reclamem… sem dó nem piedade!
Não se deixem enredar nos artifícios, sugestões e embustes de que se servem as majestáticas das comunicações para avolumar ilicitamente os seus réditos!
E, como estímulo a que o façam, o teor de uma recente decisão de um tribunal superior (o da Relação de Lisboa) que pelo punho do desembargador Jorge Leal (21 de Outubro de 21) decretou:
“I. O incumprimento de obrigações contratuais como as decorrentes de um contrato de prestação de serviços de telecomunicações pode dar origem a danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito através da atribuição de uma indemnização.
II. É o que sucede numa situação em que o utente/consumidor esteve três semanas sem acesso aos dois números de telefone fixo, durante mais de um ano recebeu facturas confusas e em que se reclamavam valores indevidos, foi por diversas vezes alvo de avisos de suspensão do serviço por atrasos de pagamento inexistentes e foi alvo de indevidas suspensões parciais ou totais do serviço de acesso a canais de televisão em períodos diversos, num total de 52 dias, durante mais de um ano reclamou e protestou, tendo feito pelo menos 10 deslocações às lojas da Ré para pedir esclarecimentos, reclamar da facturação e das suspensões dos serviços realizadas pela Ré, tendo por causa dessa situação andado stressado, aborrecido, cansado e desgastado.
III. Atendendo aos valores habitualmente atribuídos pelos tribunais estaduais e arbitrais na área do consumo, é adequada, à situação referida em II, uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 3 000,00.”
Se as indemnizações devidas lhes começarem a “doer” na bolsa… talvez algo se altere para além dos embustes a que se assiste quando os seus (ir)responsáveis “enchem a boca” com os chavões da moda (“compliance”, “responsabilidade social”, “empresas amigas do consumidor”…)!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal
(DIÁRIO
"As Beiras", Coimbra, edição de 22 de Novembro de 2021)
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