A Directiva do Parlamento Europeu de 20 de Maio de 2019 - que dos bens de consumo se ocupa - não insere os imóveis na sua disciplina.
É tradição da União Europeia não se imiscuir no regime dos bens fundiários dos seus Estados-membros, já que entende que é algo que releva dos ordenamentos pátrios.
O legislador português, à semelhança do que fizera em 2003, incluiu no diploma legal que agora veio a lume (garantia de móveis e dos conteúdos e serviços digitais) também a garantia da compra e venda, empreitada, outras prestações de serviço e locação de imóveis.
A inconstitucionalidade do diploma na parte alusiva ao contrato de locação
Aplicando-se, como resulta da lei, o regime das garantias de imóveis à locação, por meio de um mero decreto-lei, sem uma autorização legislativa de base, a norma é, nessa exacta medida, inconstitucional, ao que se nos afigura.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 165.º, sob a epígrafe “reserva relativa de competência legislativa”, da Constituição da República Portuguesa, estabelece imperativamente:
“1. É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as seguintes matérias, salvo autorização ao Governo:
…
h) Regime geral do arrendamento rural e urbano”.
Logo, o Governo não tem, por si só, competência legislativa para o efeito.
E não colheu do Parlamento qualquer autorização legislativa.
Algo que, em nosso juízo, deveria ter sido elementarmente atalhado para evitar, é facto, o cúmulo de desfavores para os consumidores: é que se os consumidores invocarem direitos neste particular, e se os proprietários, usufrutuários e demais legitimados a dar de arrendamento arguirem a inconstitucionalidade das normas aplicáveis, os consumidores verão fugir-se-lhes da mão este tipo de protecção. O que não é destituído de importância.
A despeito de se haver advertido a Casa Civil do Presidente da República, nem assim foi tomada em conta a advertência e a lei foi promulgada, referendada e publicada sem que se corrigisse tão clamorosa falha.
A escassez da garantia tanto para os vícios construtivos estruturais como para os não estruturais
Quando o Supremo Tribunal de Justiça, por um acórdão de Dezembro de 1996, veio a considerar – em termos de uniformização de jurisprudência – que a lei não distinguia entre coisas móveis e imóveis e, por isso, o prazo de garantia dos imóveis era de 6 meses, caiu o Carmo e a Trindade!
É que havia decisões que, aplicando supletivamente os prazos da garantia das coisas imóveis de longa direcção do regime da empreitada, consideravam uma garantia mais alargada de cinco (5) anos.
O articulista Francisco Teixeira da Mota, dizia no “Público”, no 1.º de Fevereiro de 1997, a tal propósito:
“Com um período de seis meses…, muitas vezes, quando se dava pelas infiltrações de humidade com as chuvadas de inverno, já não era possível reclamar!”
Os Conselheiros que votaram o acórdão de uniformização de jurisprudência teriam parado no tempo. Outros rebelaram-se fragorosamente, citando o jusfilósofo Cabral de Moncada: o saudoso Cardona Ferreira, com quem privámos amiúde nas andanças do “arrendamento urbano” e Sousa Inês, de Coimbra, para além de Lopes Pinto.
Um diploma de 1994 (DL 269/94, de 25 de Outubro), quando o escândalo se registou, fixara em 5 anos a garantia das coisas imóveis, no artigo 916 do Código Civil.
O projecto de Lei-Quadro de Defesa do Consumidor, em 1996, apontara para 10 anos a garantia, à semelhança do que sucede lá fora.
Porém, o presidente do Grupo Parlamentar Socialista, ao tempo, Vera Jardim, senhor de um conservadorismo atroz – e em favorecimento dos construtores civis menos probos e mais atreitos a “vender gato por lebre” -, riscou do projecto os 10 anos e apresentou-o com os 5 anos que a lei havia inscrito, em 1994, no Código Civil.
De há muito que propugnamos uma garantia decenal (10 anos)… no mínimo, mas de uma garantia de 10 anos que se não esvazie ao sabor de outros conceitos e criadoras inovações menos reflectidas (como as que se plasmam no Código dos Contratos Públicos…)!
E agora, o legislador português, desassisadamente, foi o que fez - estabeleceu duas bitolas: uma para vícios estruturais construtivos e outras para as mais desconformidades.
Com o que vem a instalar uma enorme confusão e a dar menos garantias aos consumidores, porque fulmina as regras dos vícios ocultos e passa a entender que uma edificação, seja ela qual for, só tem a garantia estreita de 10 anos no que toca à sua estrutura, mas para o resto… a “miséria” de cinco anos!
As humidades: são estruturais ou não estruturais?
Apetece dizer: só em Portugal!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
(Artigo para os Jornais Regionais e Locais: semana de 08 de Novembro de
2020)
Sem comentários:
Enviar um comentário