terça-feira, 26 de outubro de 2021

LISTAS NEGRAS DE DEVEDORES


U´a Lista de Devedores

Porque a fulminar a lei

Não serve a consumidores

Nem tem o timbre do Rei

 

O Regulador das Comunicações Electrónicas, em Portugal, adverte:

“Se tiver facturas em dívida de valor superior a 20% do salário mínimo nacional (ou seja, a 133€ desde 1 de Janeiro de 2021), os seus dados podem ser incluídos numa lista de devedores. Esta lista é partilhada entre os operadores de comunicações aderentes.

Antes de incluir os seus dados na lista, o operador deve notificá-lo para, em 5 dias, pagar o valor em dívida, provar que a dívida não existe ou que não lhe é exigível (por exemplo, porque já prescreveu).

Assim que for pago o valor em dívida, os dados devem ser imediatamente eliminados da lista.

Qualquer operador pode recusar-se a contratar um serviço com um utilizador que tenha quantias em dívida, mesmo que a outro operador, salvo se a facturação em causa tiver sido reclamada.”

O dispositivo da Lei das Comunicações Electrónicas de 10 de Fevereiro de 2004 (Lei 5/2004) que o estabelece é o artigo 46.º, sob a epígrafe “mecanismos de prevenção de contratação”.

E o que nele se verte pode compendiar-se como segue:

§ As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas ficam habilitadas, directamente ou por intermédio das suas associações representativas, a criar e a gerir mecanismos que permitam identificar os assinantes que não hajam satisfeito as suas obrigações de pagamento relativamente aos contratos celebrados, nomeadamente através da criação de uma base de dados partilhada.

§ A entidade gestora da base de dados deve elaborar as respectivas condições de funcionamento, solicitando o parecer prévio do Regulador, e submetê-las a aprovação da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).

§ Os mecanismos instituídos devem respeitar as seguintes condições, sem prejuízo do regime aplicável à protecção de dados pessoais e da privacidade:

o Os dados a incluir devem circunscrever-se aos elementos absolutamente essenciais à identificação dos assinantes incumpridores;

o Garantia do direito de acesso, rectificação e actualização dos dados pelo respectivo titular;

o Obrigação de informação nos contratos ou de advertência expressa aos assinantes que já tenham contrato celebrado da possibilidade da inscrição dos seus dados na base de dados em caso de incumprimento das obrigações contratuais, explicitando o montante da dívida a partir do qual se processa a inscrição dos dados dos assinantes naquela base e os mecanismos que podem ser usados para impedir aquela inclusão;

o Garantia de que previamente à inclusão de dados dos assinantes na base estes são notificados para, em prazo não inferior a cinco dias, sanar o incumprimento contratual, regularizar o seu saldo devedor ou demonstrar a sua inexistência ou inexigibilidade;

o Obrigação de informar os assinantes, no prazo de cinco dias, de que os seus dados foram incluídos na base de dados;

o As empresas que pretendam aceder aos elementos disponibilizados devem igualmente fornecer os elementos necessários relativos aos contratos por si celebrados em que existam quantias em dívida;

o Todos os elementos recebidos devem ser exclusivamente utilizados pelas empresas participantes nos mecanismos instituídos, sendo vedada a sua transmissão, total ou parcial, a terceiros, bem como a sua utilização para fins diversos dos previstos anteriormente;

o Eliminação imediata de todos os elementos relativos ao assinante após o pagamento das dívidas em causa ou quando o seu valor seja inferior aos 20% do “salário mínimo nacional”…

o Não inclusão de dados relativos a assinantes que tenham apresentado comprovativo da inexistência ou inexigibilidade da dívida ou enquanto decorrer a análise, pelo operador ou prestador do serviço, dos argumentos apresentados para contestação da existência do saldo devedor ou durante o cumprimento de acordo destinado ao seu pagamento ou ainda de dados relativos a assinantes que tenham invocado excepção de não cumprimento do contrato ou que tenham reclamado ou impugnado a facturação apresentada;

o Garantia do direito a indemnização do assinante, nos termos da lei geral, em caso de inclusão indevida dos seus elementos nos mecanismos instituídos.

§ As condições de funcionamento da base de dados devem garantir em absoluto quanto precedente e plasmado se acha nos pontos assinalados e delas devem constar nomeadamente o seguinte:

o Montante mínimo de crédito em dívida para que o assinante seja incluído na base de dados, o qual não pode ser inferior a 20 % da remuneração mínima mensal garantida;

o Identificação das situações de incumprimento susceptíveis de registo na base de dados, com eventual distinção de categorias de assinantes atento o montante em dívida;

o Fixação de um período de mora a partir do qual se permite a integração na base de dados;

o Identificação dos dados susceptíveis de inclusão;

o Período de permanência máximo de dados na base.

§ As empresas que oferecem redes e serviços de comunicações electrónicas podem recusar a celebração de um contrato relativamente a um assinante que tenha quantias em dívida respeitantes a contratos anteriores celebrados com a mesma ou outra empresa, salvo se o assinante tiver invocado excepção de não cumprimento do contrato ou tiver reclamado ou impugnado a facturação apresentada.

§ O regime previsto neste particular não é aplicável aos prestadores de serviço universal, os quais não podem recusar-se a contratar no âmbito do serviço universal, sem prejuízo do direito de exigir a prestação de garantias.

Constituem contra ordenações muito graves as constantes dos pontos três e quatro, nomeadamente, os que se prendem com a utilização exclusiva dos elementos, sendo vedada a sua transmissão, total ou parcial, a terceiros, bem como a sua utilização para fins diversos dos previstos para o efeito.

E a moldura sancionatória é a que se inscreve infra:

As contra ordenações muito graves são puníveis com as seguintes coimas:

Se praticadas por

§ Microempresa - de 2.000 a 50 000 €;

§ Pequena empresa – de 6.000 a 150 000 €;

§ Média empresa - de 10 000 a 450 000 €;

§ Grande empresa - de 20 000 a 5 000 000 €.

No entanto, situações do mais diverso jaez ocorrem, revelando que, para além da Lista Negra de Devedores, conformemente à lei, autorizada e de circulação restrita para evitar que os consumidores andem a saltar de operador em operador sem cumprir as obrigações a que se vinculam, outras listas saem da cartola, como a dos Devedores de Obrigações Naturais, como o revelam as próprias empresas que operam neste segmento do mercado.

O que constitui violação muito grave, passível de coima, como na circunstância, a que o oligopólio se expõe, até ao limite de 5 000 000 €.

Dos Gabinetes Municipais de Apoio ao Consumidor, presente a notícia de que os consumidores são interpelados a pagar ou dívidas inexistentes ou dívidas prescritas, cuja prescrição terá sido oportunamente invocada, dívidas e pretensas dívidas que remontam a 2009, 2010, 2012, 2014…

Dívidas que são apresentadas por uma tal INTRUM Portugal, agência de cobrança de dívidas.

Dever primeiro a que se adscreve qualquer dos fornecedores, no mercado, é a observância da cláusula geral da boa-fé.

Aliás, no pórtico da Lei dos Serviços Públicos Essenciais que vigora em Portugal desde o 1.º de Agosto de 1996 inscreve-se de modo impressivo um tal princípio-regra:

“O prestador do serviço deve proceder de boa-fé e em conformidade com os ditames que decorram da natureza pública do serviço, tendo igualmente em conta a importância dos interesses dos utentes que se pretende proteger.”

Como o registámos num outro escrito, “invocada a prescrição, judicial ou extrajudicialmente, remanesce uma obrigação natural: a dívida jamais poderá ser exigida através de acção ou injunção. Daí a contradição, ao ameaçar-se o consumidor com a instauração de um processo ou procedimento judicial, como consta do nefando rol de intimidações que a empresa de cobranças remeteu ao consumidor.”

Nem sempre se tem a noção do que seja uma obrigação natural: é a que se funda num mero dever de ordem moral ou social, cujo cumprimento não é judicialmente exigível: se espontaneamente satisfeita, o seu cumprimento corresponderá a um dever de justiça.

LISTA NEGRA DOS DEVEDORES DE OBRIGAÇÕES NATURAIS

A criação de uma LISTA NEGRA DOS DEVEDORES DE OBRIGAÇÕES NATURAIS é um artifício e é uma aberração, em vista das consequências que se assacam às dívidas prescritas que apagam as obrigações jurídicas e de que remanescem meras obrigações naturais, judicialmente inexigíveis.

Ademais, como noutro escrito o assinalámos, expõem os consumidores e os seus dados pessoais a uma empresa estranha ao tráfego negocial e, nessa medida, há também uma clara violação do Regulamento Geral de Protecção de Dados, que cumpre, a justo título, denunciar.

Para além do que se assinalou supra no que tange à transmissão de dívidas a empresas de cobrança, como no caso.

Se tiver havido uma qualquer cessão de dívidas a esse relapso cobrador, a MEO (o antigo monopólio de telecomunicações) infringe o Código Civil que, no seu artigo 577, proíbe o crédito que, pela própria natureza da prestação, se acha ligado à pessoa do credor por se tratar de um serviço público essencial.

A INVOCAÇÃO PRESCRIÇÃO É INIBITÓRIA

Se o consumidor se recusar a pagar, porque invocada a prescrição, não pode daí advir qualquer desvantagem:

§ Nem pode ser decretada a suspensão do serviço;

§ Menos ainda a extinção do contrato;

§ Eventuais exigências de caução ou outras garantias para poder continuar a fruir do serviço;

§ A recusa de celebração de um outro contrato que ao consumidor importe…

§ A inserção em qualquer lista de baixo teor reputacional (a origem do fenómeno está no credor, que não no devedor: a prescrição não é um favor, é um direito, em homenagem à segurança jurídica, e pelo exercício de um direito, conformemente às normas não poderão advir prejuízos sejam de que ordem for sob pena de se actuar a responsabilidade civil, onde quer que se entenda).

O ASSÉDIO COMO PRÁTICA NEGOCIAL AGRESSIVA

O assédio (as ameaças, as intimidações), constitui prática negocial agressiva: Lei das Práticas Comerciais Desleais de 2008, de 26 de Abril.

“Assediar mais não é do que “perseguir com propostas, sugerir com insistência; ser inoportuno ao tentar obter algo; molestar; abordar súbita ou inesperadamente”.

A Lei das Práticas Comerciais Desleais considera, como agressivas, entre outras:

. o fazer solicitações persistentes e não solicitadas, por telefone, telecópia, correio electrónico ou qualquer outro meio de comunicação à distância, …”

Daí que a conduta da (mal afamada) agência de cobranças constitua um ilícito de consumo, como se descreve supra, passível de coima e de sanções acessórias.

OS CRIMES PERPETRADOS PELO AGENTE ECONÓMICO

Para além do mais, o assédio constitui crime, nos termos do n.º 1 do artigo 154 - A do Código Penal, passível, ao menos, de prisão até 3 anos ou multa:

“1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”

A conduta constitui ainda um crime de ofensa à reputação económica do consumidor, previsto e punido pela Lei Penal Económica (Decreto-Lei n.º 28/84, de 20 de Janeiro) que, no n.º 1 do seu artigo 41, prescreve:

“1 - Quem, revelando ou divulgando factos prejudiciais à reputação económica de outra pessoa, nomeadamente ao seu crédito, com consciência da falsidade dos mesmos factos, desse modo lesar ou puser em perigo interesses pecuniários dessa pessoa será punido com prisão até 1 ano e multa não inferior a 50 dias.”

Por conseguinte, as refracções de uma tal conduta lesiva dos direitos de personalidade do consumidor pelo ordenamento jurídico que se lhe afeiçoa são abundantes e carecem de uma actuação conforme das autoridades, sob o influxo dos lesados, para que possa haver alguma ordem no caos.

 Mário Frota

 apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra

 

(artigo publicado hoje, 26 de Outubro em curso, no Portal do PROCONS RS, Porto Alegre, Brasil, por deferência do director da Escola Superior de Defesa do Consumidor, Dr. Diego Ghiringhelli de Azevedo)

 

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