sexta-feira, 14 de maio de 2021

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, 27 de Abril de 2021

 

LITÍGIOS EM CUJO CERNE SE ACHAM CONTRATOS DE

FORNECIMENTO DE ÁGUA

 


Tribunal da Relação de Lisboa

Acórdão de 27 de Abril de 2021

Relatora: Micaela Sousa

  I– A competência material dos tribunais comuns é aferida por critérios de atribuição positiva e de competência residual, conferindo-lhes o primeiro competência para todas as causas cujo objecto é uma situação jurídica regulada pelo direito privado, civil ou comercial e o segundo, competência para todas as causas que, apesar de não terem por objecto uma situação jurídica fundamentada no direito privado, não são legalmente atribuídas a nenhum tribunal judicial não comum ou a nenhum tribunal especial.

II– Nos termos do estatuído no artigo 212º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 1º, n.º 1 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais o factor atributivo da competência aos tribunais administrativos radica n existência de uma relação jurídica administrativa, que pressupõe sempre a intervenção da Administração Pública investida no seu poder de autoridade (jus imperium), isto é, o exercício de uma função pública, sob o domínio de normas de direito público.

III– Quando o serviço público é atribuído a uma entidade privada do sector privado, estabelece-se uma relação de colaboração entre a Administração Pública (titular do serviço) e o gestor do serviço, dado que por meio da concessão dá-se uma delegação de serviços públicos comerciais e industriais a empresas privadas que executam o serviço em seu próprio nome e por sua conta e risco, mas submetendo-se à fiscalização e ao controlo por parte da Administração Pública.

IV– Uma empresa concessionária da exploração e gestão dos serviços públicos municipais de abastecimento de água e de saneamento de um município actua em substituição deste, pelo que se trata de uma entidade particular no exercício de um poder público e actuando com vista à realização de um interesse público, sendo o contrato de concessão um contrato administrativo.

V– O contrato celebrado entre o utente e o prestador de serviços não se encontra sujeito a um regime substantivo de direito público, sendo antes regulado pela Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei n.º 23/96, de 26 de Julho) e pelo Decreto-Lei n.º 194/2009, de 20 de Agosto, normas de direito privado, e a dívida de consumo de água não é uma dívida fiscal emergente de uma relação jurídica-tributária.

VI– Com a entrada em vigor da Lei n.º 114/2019, de 12 de Setembro, por força da nova alínea e) do n.º 4 do artigo 4 do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, os tribunais administrativos e fiscais não têm competência para as acções que, como a presente, se destinem a apreciar “litígios emergentes das relações de consumo relativas à prestação de serviços públicos essenciais, incluindo a respectiva cobrança coerciva”.

 

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Acórdão de 04 de Dezembro de 2013

Relator:

Cons.º Fernandes do Vale

“I - Os contratos de fornecimento de água por empresas concessionárias não são subsumíveis a quaisquer preceitos constantes do ETAF.

II - Tais contratos não são administrativos, porquanto não são objecto de uma regulação baseada em normas de direito administrativo, sendo, antes, contratos de consumo, em parte regulados por normas que protegem os direitos dos consumidores.

III - Tais contratos ordenam-se no âmbito do direito privado, sendo, pois, contratos de direito privado; razão por que assiste aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos a competência para apreciar e decidir os litígios emergentes de tais contratos.”

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