LITÍGIOS EM CUJO CERNE SE ACHAM CONTRATOS DE
FORNECIMENTO DE ÁGUA
Tribunal da Relação de Lisboa
Acórdão de 27 de Abril de 2021
Relatora: Micaela Sousa
I– A
competência material dos tribunais
comuns é aferida por critérios de
atribuição positiva e de competência
residual, conferindo-lhes o primeiro
competência para todas as causas cujo
objecto é uma situação jurídica regulada
pelo direito privado, civil ou comercial
e o segundo, competência para todas as
causas que, apesar de não terem por
objecto uma situação jurídica
fundamentada no direito privado, não são
legalmente atribuídas a nenhum tribunal
judicial não comum ou a nenhum tribunal
especial.
II– Nos termos do estatuído no artigo
212º, n.º 3 da Constituição da República
Portuguesa e no artigo 1º, n.º 1 do
Estatuto dos Tribunais Administrativos e
Fiscais o factor atributivo da
competência aos tribunais
administrativos radica n existência de
uma relação jurídica administrativa, que
pressupõe sempre a intervenção da
Administração Pública investida no seu
poder de autoridade (jus imperium),
isto é, o exercício de uma função
pública, sob o domínio de normas de
direito público.
III– Quando o serviço público é
atribuído a uma entidade privada do
sector privado, estabelece-se uma
relação de colaboração entre a
Administração Pública (titular do
serviço) e o gestor do serviço, dado que
por meio da concessão dá-se uma
delegação de serviços públicos
comerciais e industriais a empresas
privadas que executam o serviço em seu
próprio nome e por sua conta e risco,
mas submetendo-se à fiscalização e ao
controlo por parte da Administração
Pública.
IV– Uma empresa concessionária da
exploração e gestão dos serviços
públicos municipais de abastecimento de
água e de saneamento de um município
actua em substituição deste, pelo que se
trata de uma entidade particular no
exercício de um poder público e actuando
com vista à realização de um interesse
público, sendo o contrato de concessão
um contrato administrativo.
V– O contrato celebrado entre o utente e
o prestador de serviços não se encontra
sujeito a um regime substantivo de
direito público, sendo antes regulado
pela Lei dos Serviços Públicos
Essenciais (Lei n.º 23/96, de 26 de
Julho) e pelo Decreto-Lei n.º 194/2009,
de 20 de Agosto, normas de direito
privado, e a dívida de consumo de água
não é uma dívida fiscal emergente de uma
relação jurídica-tributária.
VI– Com a entrada em vigor da Lei n.º
114/2019, de 12 de Setembro, por força
da nova alínea e) do n.º 4 do artigo 4
do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais, os tribunais
administrativos e fiscais não têm
competência para as acções que, como a
presente, se destinem a apreciar “litígios
emergentes das relações de consumo
relativas à prestação de serviços
públicos essenciais, incluindo a
respectiva cobrança coerciva”.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão de 04 de Dezembro de 2013
Relator:
Cons.º Fernandes do Vale
“I - Os contratos de fornecimento de água por empresas concessionárias não são subsumíveis a quaisquer preceitos constantes do ETAF.
II - Tais contratos não são administrativos, porquanto não são objecto de uma regulação baseada em normas de direito administrativo, sendo, antes, contratos de consumo, em parte regulados por normas que protegem os direitos dos consumidores.
III - Tais contratos ordenam-se no âmbito do direito privado, sendo, pois, contratos de direito privado; razão por que assiste aos tribunais judiciais e não aos tribunais administrativos a competência para apreciar e decidir os litígios emergentes de tais contratos.”
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