A Lei de Protecção dos
Consumidores de Serviços Públicos Essenciais (LPSPE) tem como causa próxima os
excessos, os inomináveis abusos que os operadores se propuseram rubricar após
as nacionalizações.
Excessos que denunciámos
“ad nauseam” no pequeno ecrã quando, por deferência de Coelho Ribeiro, então
presidente da RTP, ali se criou uma rubrica de Defesa do Consumidor.
Um simples exemplo: o
salário mínimo seria, ao tempo, de 33 000$00; as famílias, sem qualquer
suporte factual, recebiam facturas de 80 000 ou 90 000$00 com a
cominação: ou paga em 10 dias ou efectuamos o corte. A EDP foi rainha na
“facturação por estimativa”, que instituiu ao arrepio da tradição e dos “bons
costumes” negociais.
Desde logo se intuiu que
o respeito pelo princípio-regra da “protecção dos interesses económicos do
consumidor” imporia se facturasse só “o que se consumia e nessa exacta medida”…
Com a revisão da Lei-Quadro
de Defesa do Consumidor de 1981, e porque os serviços públicos essenciais se
apresentavam em relação de supra/infra-ordenação, curial seria se adoptasse uma
regra de equilíbrio inter partes.
Donde, n.º 8 do seu
artigo 9.º:
“Incumbe ao Governo adoptar
medidas adequadas a assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham
por objecto bens e serviços essenciais, designadamente água, energia eléctrica,
gás, telecomunicações e transportes públicos.”
Daí a LPSPE, que no seu artigo
8.º definiu:
“São proibidas a
imposição e a cobrança de consumos mínimos.”
Os operadores, porém, ancorados
em seu poderio, aliás, sem grande imaginação, “recriaram” o conceito:
introduziram “quotas de serviço”, “quotas de disponibilidade”… [fixas e
variáveis] (Água), “assinatura” (Telecomunicações), “taxa de potência” (Energia
eléctrica), “termo fixo natural” (Gás)… e outras denominações, fruto de imaginação
fácil e produtiva.
E de nada valeu singular
iniciativa processual da ACOP – Associação de Consumidores de Portugal - contra
as Águas da Figueira, SA, como exemplo, que esbarrou na “incompetência” dos
tribunais e na ignorância dos julgadores, fadada ao insucesso como foi!
Como em acção que correu
seus termos nos Tribunais Cíveis de Lisboa contra o monopólio das comunicações,
a PT, em tema de taxa de assinatura, que também naufragou…
Quando de nossa banda suscitámos
o anacronismo dos alugueres dos instrumentos de medição, o legislador,
receptivo, aditou, em 2008, ao artigo em epígrafe dois incisos:
“2 - É proibida a cobrança
aos utentes de:
a) Qualquer importância a
título de preço, aluguer, amortização ou inspecção periódica de contadores ou
outros instrumentos de medição dos serviços utilizados;
b) Qualquer outra taxa de
efeito equivalente à utilização das medidas referidas na alínea anterior,
independentemente da designação utilizada;
c) Qualquer taxa que não
tenha uma correspondência directa com um encargo em que a entidade prestadora
do serviço efectivamente incorra, com excepção da contribuição para o
audiovisual;
d) Qualquer outra taxa
não subsumível às alíneas anteriores que seja contrapartida de alteração das
condições de prestação do serviço ou dos equipamentos utilizados para esse fim,
excepto quando expressamente solicitada pelo consumidor.
3 - Não constituem
consumos mínimos, para efeitos do presente artigo, as taxas e tarifas devidas
pela construção, conservação e manutenção dos sistemas públicos de água, de
saneamento e resíduos sólidos, nos termos do regime legal aplicável.”
No entanto, consumos mínimos
e alugueres persistem sob inúmeras “máscaras” na facturação que se vem emitindo
regularmente.
E nem reguladores nem
direcções-gerais (mormente a do “consumidor”) nem ‘instituições de consumidores’
emergentes da sociedade civil ousam afrontar o “statu quo”…
E curial seria se
restituísse aos consumidores tantas das parcelas que constituem autênticas
fortunas ilicitamente arrecadadas pelos operadores em prejuízo dos orçamentos domésticos.
Não se olvide que os ‘serviços
não solicitados’ facturados pela Vodafone e, a esse título, alvo de condenação pelo
Supremo Tribunal de Justiça, em 2022, ascendem, em 4 anos, ao que se diz, em 4
mil milhões de euros…
E outros entorses se
registam, constituindo locupletamento ilícito dos operadores em detrimento da
bolsa dos consumidores.
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO
-, Portugal