(14 de Junho de 2024)
PLANOS
QUE MALTRATAM A ‘SAÚDE FINANCEIRA’ DOS INCAUTOS?
De Sintra:
“Respondi telefonicamente
a um anúncio da Medicar que me submeteu a um interrogatório telefónico.
Paguei dois meses mas
concluí que este Plano de Saúde mais não era que um logro e que não me trazia
quaisquer vantagens efectivas.
Nunca assinei qualquer
contrato.
Tentei solicitar que não
me enviassem mais pedidos de pagamento porquanto não me sentia obrigada a
proceder a qualquer liquidação, dado, repito, não ter assinado qualquer documento.”
***
Apreciada a factualidade,
cumpre opinar:
1. Trata-se,
como resulta do texto, de um contrato
celebrado por telefone.
2. Importa
não confundir seguro de saúde com plano de saúde (cartão-desconto em serviços
de saúde).
3. O
seguro de saúde é regido pela Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008).
4. Os
planos de saúde, ao contrário do que ocorre no Brasil, não estão sujeitos,
entre nós, a um qualquer regime especial.
5. Conquanto
se prescreva na Lei dos Contratos à Distância que dela se excluem “os contratos
relativos a serviços de
cuidados de saúde, prestados ou não no âmbito de uma estrutura de saúde e
independentemente do seu modo de organização e financiamento…”, o que neste
passo ocorre submete-se, por não se achar regulado noutro qualquer dispositivo,
ao diploma em epígrafe, por de um mero cartão-desconto se tratar (DL 24/2014:
al. f) do n.º 3 do art.º 2.º).
6. Daí
que, tendo o telefonema sido induzido pela Medicar através de um anúncio, se
haja de observar o que segue:
“Quando
o contrato for celebrado por telefone, o consumidor só fica vinculado depois de
assinar a oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor …“ (DL
24/2014: n.º 8 do art.º 5.º)
7. Logo,
na circunstância, há que observar que:
“ … o fornecedor … [deva]
facultar-lhe, em tempo útil e de forma clara e compreensível, as seguintes
informações:
(seguem as indicações, literalmente de a a z,
que constituem, afinal, o clausulado do contrato, cuja assentimento terá de ser
feito por escrito (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 4.º).
8. Tratando-se,
ademais, de um contrato de adesão havia que observar os requisitos da Lei das
Condições Gerais dos Contratos (DL446/85: art.º 5.º):
“1
- As [condições gerais dos contratos] devem ser comunicadas na íntegra aos
aderentes que se limitem a subscrevê-las ou a aceitá-las.
2
- A comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência
necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e
complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e
efectivo por quem use de comum diligência.
…”
9. Como
o não fez e nem sequer o consumidor deu o seu assentimento por escrito, estamos
na presença de um não contrato, de um contrato inexistente: não há, na
circunstância, nem sequer um fumo de contrato, há, sim, um “nada jurídico”.
10. O
facto de o consumidor haver procedido à remessa de dados valores não significa
tácito assentimento: tais montantes terão de ser devolvidos sem detença ao seu titular.
11. Deve
lavrar a denúncia no Livro de Reclamações (físico ou electrónico) (DL 156/2005:
art.ºs 4.º e 5.º - C).
12. No
limite, se se recusarem a restituir-lhe os montantes que, entretanto, adiantou,
exija a reparação dos danos materiais e morais causados, recorrendo ao Tribunal
Arbitral de Conflitos de Consumo de Lisboa (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 12 e Lei 144/2015).
CONCLUSÃO
a. Um
cartão-desconto em despesas de saúde celebrado, a instâncias da operadora, por
telefone, exige – para ser válido – assinatura da oferta pelo consumidor ou o
seu consentimento formal, por escrito (DL 24/2014: n.º 8 do artigo 5.º) .
b. Para
ser eficaz, curial seria que no período de reflexão ou ponderação de 14 dias o
consumidor não exercesse o seu direito de retractação (DL 24/2014: art.º 10.º).
c. Como
não houve tal assentimento do consumidor, nem sequer há contrato (DL 24/2014:
n.º 8 do art.º 5.º).
d. Eventuais
valores carreados para o contraente-fornecedor não constituem tácito assentimento,
razão por que terão de ser devolvidos, sob pena de responsabilidade por danos
materiais e morais (Lei 24/96: n.º 1 do art.º 12).
e. No
limite, há que recorrer ao Tribunal Arbitral de Conflitos de Consumo (Lei
144/2015).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso
parecer.
Mário Frota
presidente
emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -,
Portugal