(consultório que deveria ter sido publicado hoje, dia 09 de Fevereiro de 2024, e naturalmente por escassez de espaço, não o foi)
Ó GENTE! MUDOU A ‘LENTE’?
QUEM CALA JÁ CONSENTE?
Intimação da Vodafone:
“A partir de 5 de Março de 2024 a configuração do seu tarifário vai ser alterada.
Até lá estaremos à sua disposição para o ajudar a escolher uma melhor alternativa para si.
Caso não o pretenda fazer, será alterado para o tarifário RED 5GB com 5GB de dados móveis e 3500 minutos e 3500 SMS por 23 eur/mês sem fidelização. “…
Apreciados os termos, cumpre responder:
1. Mas o que vale o silêncio? O silêncio vale consentimento? Quem cala consente? Quem cala parece consentir? Quem cala, afinal, não consente?
2. A Lei dos Contratos à Distância de 14 de Fevereiro de 2014 (DL 24/2014) prescreve, no seu art.º 28, que o silêncio não vale consentimento:
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de pagamento relativo a fornecimento… de bens… ou a prestação de serviços não solicitado pelo consumidor…
2 - … a ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação não solicitado não vale como consentimento.”
3. Vigora um contrato em condições que o consumidor considera adequadas e a alteração decorrente agrava substancialmente o tarifário nem se lhe facultando sequer a hipótese de optar por eventual fidelização de 6, 12 ou 24 meses, como decorre da LCE - Lei das Comunicações Electrónicas (Lei 16/22, de 22 de Agosto).
4. Mas pretende retirar-se do seu silêncio a aceitação dos novos termos, o que viola claramente a lei.
5. Se, como diz o Regulador, é lícito à empresa descontinuar contratos, então que apresente nova proposta contratual (com a informação exigível e o pertinente clausulado), sem que do silêncio (à mera apresentação do volume de tráfego e valores mais elevados da prestação) haja de convir no consentimento.
6. “São proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas… que:
permitam elevações de preços, em contratos de prestações sucessivas, dentro de prazos manifestamente curtos, ou, para além desse limite, elevações exageradas, sem prejuízo do que dispõe o artigo 437.º do Código Civil.” (LCGC - Lei das Condições Gerais dos Contratos: alínea c) do n.º 1 do art.º 22).
7. Não sendo proibidas, porém, “as cláusulas de indexação, quando o seu emprego se mostre compatível com o tipo contratual onde se encontram inseridas e o mecanismo de variação do preço esteja explicitamente descrito” LCGC: n.º 4 do art.º 22). O que não é o caso.
8. Ora, havendo um novo modelo contratual, por descontinuidade do anterior, ter-lhe-ia de ser presente a proposta com as informações devidas (LCE: n.º 1 do seu art.º 120 que remete para o DL 24/2014: art.º 4.º)
9. Constitui contra-ordenação económica muito grave a violação do disposto no n.º 1 do art.º 28 do DL 24/2014, de 14 de Fevereiro ( n.º 1 do art.º 31), cuja coima oscila, por se tratar de grande empresa, entre os 24 000,00 a 90 000,00 € (RJCE - DL 9/2021: v, alínea c) do art.º 18)
10. Constitui, porém, contra-ordenação grave a violação das regras que regem tanto os preliminares como as formalidades de formação dos contratos (LCE: n.º 1 art.º 120; al. u) do n.º 2 do art.º 178)
11. A moldura de tais ilícitos para as grandes empresas gira na orbita dos 10 000 € a 1 000 000 € (LCE – n.º 11 do art.º 179)
EM CONCLUSÃO
a. Contrato celebrado em decorrência do silêncio do consumidor é nulo (DL 24/2014: n.º 1 do art.º 28; Código Civil: art.º 294).
b. E é um ilícito de mera ordenação social: para grandes empresas, coima susceptível de atingir os 90 000 € [DL 24/2014: n.º 1 do art.º 31 em conexão com o RJCE - DL 9/2021: v, alínea c) do art.º 18]
c. Há no caso um cúmulo de ilícitos: a violação das regras alusivas à contratação constitui contra-ordenação grave (LCE – n.º 1 do art.º 120; al. u) do n.º 2 do art.º 178)
d. A moldura para o ilícito recortado no passo anterior é, porém, distinta e mais gravosa: para uma grande empresa o leque da coima é de 10 000 € a 1 000 000 € (LCE – n.º 11 do art.º 179).
Tal é, salvo melhor juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO -, de Portugal