(Diário ‘As Beiras’, editado em
Coimbra, aos 10 de Abril de 2023)
Um simples
telefonema
A
enredar ignorantes
É a bandeira,
é o lema
Destes
‘hábeis’ ‘con’ tratantes…
Eu consumidor,
surpreendido, me confesso:
Um contacto
urgente da MEO. Uma solícita brasileira
com ofertas fantasiosas para uma “refidelização”.
Aliás, de um contrato que se finara em 2020, conquanto a empresa, com suma
“generosidade”, se houvesse proposto prosseguir
o serviço sem a aquiescência do interessado, mas com contrapartidas análogas às
originais. Contra o que estabelece um dispositivo de uma Lei de 14 de Fevereiro
de 2014, sob a epígrafe: “fornecimento de bens não solicitados”
“1 - É proibida a cobrança de qualquer tipo de
pagamento relativo a fornecimento de bens [ou prestação de serviço] não
solicitado… pelo consumidor…”
2 - …, a
ausência de resposta do consumidor na sequência do fornecimento ou da prestação
não solicitado não vale como consentimento.”
As (novas)
condições eram, porém, ditadas “ao
correr da fala”…
O interessado
rogou naturalmente lhas remetessem em um
qualquer suporte para as confrontar com as da concorrência.
Pronta
reacção da jovem senhora, no português dulcificado da outra riba: “que não, de
jeito maneira, que teria de aceitar primeiro, verbalmente, e, só depois, é que se
remeteria as tais condições.”
Objectámos
com veemência: “mas isso é ilegal”!
Não a
demovemos: as instruções eram rígidas, nem um só micron de tolerância: “aceitação
prévia, condições firmes expedidas depois”.
Ora, o
consentimento tem de ser livre,
esclarecido e ponderado.
A Lei
das Condições Gerais dos Contratos dispõe categoricamente, no seu artigo
5.º:
“1 - As
cláusulas... devem ser comunicadas na
íntegra aos aderentes...
2 - A
comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do
contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu
conhecimento completo e efectivo...
….”
Há, neste
passo, clara violação do preceito e, na circunstância, os efeitos seriam os da
não inclusão das cláusulas no contrato. Com as consequências daí emergentes: ou
nulidade do contrato ou simples inexistência. Já que nem sequer seria possível
recorrer supletivamente a dispositivos outros para integração das cláusulas num
contrato ‘refeito’.
Ademais, o DL
24/2014, de 14 de Fevereiro, directamente aplicável por força do n.º
1 do art.º 121 da Nova Lei das
Comunicações Electrónicas (Lei 16/22, 16 de Agosto), prescreve no n.º 8 do
seu artigo 5.º:
“Quando o
contrato for celebrado por telefone [por iniciativa do fornecedor ou
prestador de serviços], o consumidor só fica vinculado depois de assinar a
oferta ou enviar o seu consentimento escrito ao fornecedor … ou prestador
de serviços”.
Consequentemente,
nestas circunstâncias nem haveria contrato válido: a simples aceitação oral não vincula, não obriga, não procede.
Mas, pelos
vistos, tal parece ser prática corrente do antigo
monopólio [com uma invejável carteira de 5 000 000 de assinantes], à
revelia das leis do Estado, já que se rege naturalmente por leis privativas que
a todos escapam, mas cujos efeitos sofrem se não souberem resistir...
E, ainda que
o consentimento por escrito lhe
fosse presente, do clausulado do contrato teria de constar imperativamente o direito de retractação (o de dar o
dito por não dito), no lapso de 14 dias, e bem assim o formulário
respectivo.
A omissão de
uma tal cláusula protelaria o seu exercício por 12 meses mais. Que se seguiriam
aos 14 dias originais: o consumidor poderia dar o dito por não dito,
sem quaisquer consequências, no decurso desse lapso de tempo.
Por
conseguinte, prenhe de ilegalidades o pseudo-contrato
da Meo dirigido a potenciais
assinantes, facto que deve pôr de sobreaviso o Regulador.
Aliás, ainda
agora se soube dos dislates da Meo, “brindados” pelo Regulador com uma coima de cerca de 2,5 milhões de
euros pelas suas costumeiras resistências nas desvinculações dos seus
assinantes.
E assim vai o mundo das comunicações
electrónicas…
Mário Frota
presidente emérito da apDC - DIREITO DO CONSUMO - Portugal