“E, surpreendentemente, veio a Lei Cristas em 2012…
O senhorio fez as contas e pregou com uma renda anormalmente elevada ao casal de aposentados que se iam ali, no locado, deixando “apodrecer”: “avaliação” oblige!
A 17 de Fevereiro de 2015 o inquilino impugnou a avaliação do prédio urbano que servira de base à fixação da renda.”
Porque o prédio não é só paredes exteriores nem localização: é ineficiência energética, é instalações de água e electricidade degradadas, é humidade “até vir a mulher da fava rica”, é insalubridade, são os focos de doença que nele se albergam… são persianas a cair, que sabemos nós, são armários de cozinha a cair de pôdres…!
Mas para suas excelências o que parece valer é a área do imóvel ou fracção, a sua localização e os mais dados cegos da fórmula que aplicam.
Indeferiram a pretensão. Indeferiram-na estes ‘tipos’, diz o leitor, que trazem ‘o rei na barriga’, que tudo podem perante cidadãos indefesos, estes senhores que ditam as normas a que cada um deve obedecer, atentos, veneradores, obrigados, sem margem para impugnação, estes senhores que abocanham e não largam o osso… e o mantêm na “dentadura” a que nos habituaram, apesar da constituição, dos códigos, dos pretensos direitos, das vias de recurso!
O inquilino recorreu “graciosamente” do indeferimento, sem nexo, nem inspecção ao local, nem nada, a 10 de Dezembro de 2015.
Com a Lei Cristas, os direitos adquiridos que tinha, pela idade e pelo tempo de permanência no locado, esvaíram-se, pulverizaram-se e poderia o velho inquilino e o inquilino velho, decorrido certo prazo, ser posto, sem mais, ao relento, ser despejado a bel talante do senhorio.
E daí que tivesse de pôr as barbas de molho porque na iminência, por causa de sua Eminência a Ministra, de ir para a rua, que não “por indecente e má figura”!.
Pagou sempre a renda milionária desde 2013 ou 2014, quando lha passaram a exigir por notificação, ao que refere.
Há seis anos, com a espada de Dâmocles pendente, mudou-se “com armas e bagagens” do prédio onde passara parte da vida. Por precaução, bem entendido, não fosse o diabo, com a lei a seu favor, tecê-las!
O senhorio, que saiba, morreu, entretanto, há um ror de anos. O inquilino, de provecta idade, resiste… até quando a Providência o entender!
De todo lhe passou, na voragem do tempo, que estava pendente o requerimento de reavaliação da fracção do imóvel: os anos escoaram-se, sucederam-se as pandemias, as outras, para além das sociais…
A 22 de Fevereiro de 2023 (leu bem, de 2023, mais de oito anos depois… de ter provocado a reacção da inefável Administração Fiscal) sobreveio o indeferimento do recurso hierárquico interposto a 10 de Dezembro de 2015 (algo que começara em Fevereiro desse ano).
A data da decisão, porém, é de 26 de Agosto de 2022: seis (6) meses demorou a notificação a ser feita, via postal!
Claro que em aberto eventual recurso às vias jurisdicionais.
A crer no que se tem ouvido e lido… até ao Supremo Tribunal Administrativo serão mais 18, 20 anos de estágio. Já lá dizia o saudoso Henrique Medina Carreira!
Oito anos num mero procedimento administrativo-fiscal, é obra, senhores deste “abalado”, truncado, enferrujado “Estado de Direito”!
Teria sido preferível fazer como o “outro” (contava-se, algures, nos idos de 75, de um delegado que lançava os processos à ria e, quando lhe perguntavam pelo andamento dos autos, dizia sem pestanejar e visos de enorme “veracidade”: “seguem o seu curso normal”!). Claro, seguiam ria abaixo…
Ou então como aquele outro, de baixa estatura, que para ganhar altura, para chegar à secretária, se sentava sobre um sem-número de processos já com ‘barbas’ e, quando lhe perguntavam sacramentalmente pelos autos, dizia com inteira convicção e “autenticidade”: “está tudo debaixo d’ olho”! E não é que estava?
Se Camões reescrevesse a estrofe, teríamos então:
“Oito anos de pastor Jacob servia Labão…”
Oito anos!
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal