Diário ‘As Beiras’
02
de Dezembro de 22
Venda
consumada, contrato em suspenso, operadora alarmada, situação sem consenso e
lei postergada?
“Vendi,
por manifesta necessidade, a casa em que tinha a sede da minha economia
doméstica.
E
dei do facto nota à NOS - empresa de comunicações em que tenho o contrato de um
pacote de serviços. Pedindo inclusivamente que o transfiram para casa de uma
irmã em que passarei provisoriamente a morar.
A
NOS diz que não o pode fazer. Porque já há rede instalada na casa onde vou
passar a morar. E que considera, por isso, que há incumprimento do contrato de
minha parte e, por conseguinte, terei de suportar as prestações que se vencerem
até final da relação contratual porque eu é que dei causa ao facto.
Acho
de mau gosto a solução da NOS até porque vou continuar a precisar de telemóvel
e de internet, etc.
A
recusa da NOS parece-me estranha e o certo é que me prejudica enormemente
porque me vai pôr a pagar um montante ainda assim considerável.”
Apreciada a
situação, cumpre emitir opinião:
1.
A Lei das Comunicações Electrónicas, em vigor desde 14 de Novembro
p.º p.º, estabelece, no que ora nos importa, que
“A
empresa… não pode exigir ao consumidor titular do contrato o pagamento de
quaisquer encargos relacionados com o incumprimento do período de fidelização
nas seguintes situações:
“a)
Alteração do local de residência permanente do consumidor, caso a empresa não
possa assegurar a prestação do serviço contratado ou de serviço equivalente,
nomeadamente em termos de características e de preço, na nova morada;
…
… …” [n.º 1 do artigo 133]
2.
Sem curar de saber se a actual
situação cabe noutras das hipóteses que a Lei Nova ora expressamente prevê,
parece, sem esforço de maior, que asseverando a empresa que não pode continuar
a fornecer os serviços que dispensava regularmente ao consumidor, terá de arcar
daí com as consequências.
3.
O que quer significar que é lícito ao
consumidor romper o contrato sem que se lhe possa exigir qualquer
contrapartida, mormente a que resultaria das prestações vincendas, ou seja, das
devidas até ao termo da fidelização em curso.
4.
Claro que na eventual ausência de uma
resposta directa da lei, o que não é o caso, se poderia ainda, de harmonia com o
artigo 134, recorrer, entre outros, à previsão do artigo 437 do Código Civil, a
fim de se concluir pela extinção do contrato:
“Se
as circunstâncias em que as partes
fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem
a parte lesada direito à resolução do
contrato, …, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afecte
gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios
do contrato.”
5.
Para além do mais, dependendo da
interpretação de um outro dos preceitos da Lei Nova [art.º 137], conviria
analisar detidamente o que nele se dispõe:
“Sem
prejuízo de outras alterações extraordinárias das circunstâncias que
determinaram a celebração do contrato por parte do consumidor, o contrato fica suspenso, designadamente, nas seguintes situações:
a)
Perda
do local onde os serviços são prestados;
… … …”
6.
De qualquer forma, dada a manifesta
impossibilidade de a empresa de comunicações electrónicas poder continuar a
assegurar no domicílio do consumidor os serviços por virtude de ali se achar
instalada uma outra rede, ao que assevera, é facto que tal circunstância não
pode ser imputada ao consumidor, interessado em manter o contrato.
7.
Daí que se trate de facto
relevante para a ruptura do contrato sem quaisquer encargos para o consumidor,
desde que a empresa não possa continuar obviamente, como o confessa, a
dispensar o serviço nas condições pactuadas.
EM
CONCLUSÃO
a.
A
venda da casa de morada do consumidor, onde os serviços de comunicações se
acham instalados, constitui motivo, causa ou fundamento relevante para a
ruptura do contrato se acaso a empresa não assegurar os respectivos serviços nomeadamente
em termos de condições técnicas, demais características e de preço [Lei
16/2022: alínea a) do n.º 1 do art.º 133].
b.
Da
ruptura do contrato em tais condições não resultam quaisquer encargos para o
consumidor, como emerge do proémio do citado artigo [“não pode
exigir ao consumidor… o pagamento de quaisquer encargos relacionados com o
incumprimento do período de fidelização.]
Tal é, salvo melhor
juízo, o nosso parecer.
Mário Frota
presidente emérito
da
apDC – DIREITO DO CONSUMO -, Portugal