Salgado
Zenha, insigne figura do regime, ter-se-á batido
intransigentemente contra a unicidade
sindical e contra perversões outras tendentes a conferir a determinadas
“instituições” a exclusividade de
intervenção nos diferentes quadrantes do sistema. Porque contrárias ao espírito
do sistema. Porque refracções de uma “união nacional” no campo das mulheres como
no da juventude, no do ambiente como no dos consumidores, no do mercado dos
serviços públicos essenciais, com excepção monopólio de facto, como o é o das
águas, mas com a abertura no sector das energias, no das comunicações
electrónicas, no da distribuição postal…
E o surgimento de
outras instituições, em qualquer dos segmentos do social, decorre, com efeito, do modo vigoroso,
intrépido como Salgado Zenha interviera, a fim de deflagrar a tendência para os
“unionismos” nascentes com grave ameaça para o
regime.
No que toca aos
sindicatos, o surgimento de instituições independentes e de uma outra
confederação, aliás, fortemente estimulada pelos sucessivos governos, ter-se-á
transformado em realidade palpável, apesar dos escândalos que em determinada
altura se detectaram com os dinheiros do Fundo
Social Europeu, algo que é do domínio público.
No que toca ao
ambiente, cedo surgiram alternativas.
No domínio da tutela
dos direitos do consumidor, a denominada Deco surge, com efeito, em 1973, mas
mais tarde identificada com um dos partidos do espectro político, quer pela
natureza dos que lhe deram corpo, como da sua indesmentível filiação e do
suporte que lhe conferiram [Guterres terá sido o sócio n.º 2 e os seus
correligionários assumiram funções de destaque nos órgãos do partido com a
indisfarçável estratégia de um dos seus próceres de estender os seus propósitos
ao Bloco Central de Interesses, que passavam pelo partido opositor, sem grande
sucesso, porém, ao que se nos afigura].
Eventuais tentativas
para fazer despontar outras estruturas não lograram os seus intentos dada a
especial afeição do regime pela tal Deco,
com o proteccionismo amiúde patenteado e materializado de forma soberana, como
que transformada em couto dos socialistas, como emergia de tomadas de posição
públicas de figuras com eles conotadas ou nele, partido, profundamente
implicadas.
Recorde-se, por
exemplo, que o Estado, pelo Governo, jamais subvencionou parte que fosse da
renda das instalações das instituições que surgiram, de modo escasso,
envergonhado, porque como que em contrariedade com o “sistema”, embora.
Nunca o fez, por
exemplo, em relação à ACOP – Associação
de Consumidores de Portugal – que, por iniciativa de um advogado
conimbricense, o Alberto Pinto Gomes, se criou em Coimbra [ó sumo crime de
lesa-centralismo!], em 1993, e continua estoicamente a resistir, sobrevivendo à
míngua de recursos.
Mas não se ignore
que no Governo de António Guterres, um dos seus destacados ministros, um tal
José Sócrates, atribuiu à famigerada Deco uma subvenção que, contas feitas,
montava, ao tempo, a 1 000 050
€ (um milhão e cinquenta mil euros).
Para compra da sede na Rua da Artilharia Um.
O que desencadeou
uma profunda investigação do PÚBLICO pelo jornalista José António Cerejo,
de que resultaram processos judiciais movidos pelo tal ministro ao destemido e
impoluto homem dos jornais.
O Estado jamais
cumpriu o que a Lei-Quadro de Defesa do Consumidor prescreve no n.º 1 do seu
artigo 1.º [porque oferecia desbragadamente, como oferece, os seus favores à
“associação” do regime (!), com exclusão das mais]:
“Incumbe ao Estado,
às Regiões Autónomas e às autarquias locais proteger o consumidor,
designadamente através do apoio à constituição e funcionamento das
associações de consumidores e de cooperativas de consumo, bem como à
execução do disposto na presente lei.”
Todos têm direitos a
subvenções das “Raríssimas” às “Extravagantíssimas”, das associações da
preservação dos percevejos como às dos ratos de estimação…
Para o funcionamento
das associações de consumidores [e de âmbito nacional e interesse genérico só a ACOP se perfila, nesta austera,
apagada e vil tristeza, em território nacional] (com excepção, por certo e
naturalmente, da do regime…) é que não!
Aliás, em dada altura,
no começo dos anos 90, a Deco cedeu o seu parque editorial a uma antena de uma
empresa multinacional belga – ao tempo, a Edideco, Ld.ª, hoje, a Deco-Proteste,
Ld,ª -, ficando com uma quota de ¼ de capital, hoje correspondente a
125 000 €.
E a tal Deco-Proteste. Limitada, que vende de
cartões de crédito a seguros, de vinho a colchões, gerindo como actividade
económica condomínios e interesses em outros domínios, apresenta-se hoje, com
um despudor inaudito, como a principal
organização de consumidores em Portugal, iludindo tudo e todos. Numa mescla
prenhe de promiscuidades que a todos parece escapar.
E com o beneplácito
da comunicação social que, talvez por ignorância, lhe faz publicidade
gratuitamente e de certos comentadores de relevo, na praça, que a consideram
como ‘instituição de utilidade pública, tais os equívocos e o desaforo que por
aí campeiam.
Mal se entende a
razão por que o Ministério Público,
ao qual o fenómeno não passará decerto despercebido, não age, obrigando a Deco-Proteste a mudar de nome e a retirar dos seus títulos o de “a maior organização de consumidores do País”,
já que não é de todo uma organização de consumidores, dado que ao poder
político e seus suportes não convenha hostilizar tal “estrutura” que, mercê de
tais embustes, soma milhões de lucro/ano. Com o que há uma enorme concorrência
desleal ante as associações de consumidores autênticas, autónomas e genuínas.
Cujos desfavores são manifestos. Ao menos, isso!
Mário Frota
Presidente emérito
da apDC – DIREITO DO CONSUMO -
Portugal