(consultório que hoje
veio a lume, como regularmente, às sextas-feiras, no diário ‘As Beiras’,
editado em Coimbra)
“Em
plena situação de emergência, um oxímetro – aparelho que se destina a
medir os níveis de oxigénio no sangue – que outrora estava no mercado por seis
ou oito euros, passou a custar 70 e 80 €,
numa sanha especulativa sem limites.
É
certo que o regime assenta num sistema de economia
de mercado, em que o preço é o resultado do livre jogo da oferta
e da procura.
E
que, em situação excepcional, como a que
ora se vive, em decorrência da guerra que nos atinge, os preços, sobretudo os
dos produtos alimentares e os dos combustíveis, têm vindo a disparar
vertiginosamente com reflexos na bolsa dos consumidores e o agravamento da
pobreza.
As
grandes insígnias do agro-alimentar, em particular as da distribuição, vêm
arrecadando, através dos preços especulativos que praticam, lucros inesperados,
excessivos, que contrastam clamorosamente com os índices de pauperização de
vastos estratos da população.
Para
além de concretos processos especulativos em que incorrem, como sucedeu há
semanas, com a Autoridade de Segurança
Alimentar e Económica a mover cerca de uma
vintena de processos-crime por especulação a grandes insígnias da
distribuição alimentar que ofereciam nas gôndolas um preço e nas caixas exigiam
outro, muito mais elevado, com surpreendentes margens em produtos de primeira
necessidade: leite, ovos, carne, massas, salsichas, batatas,
cebolas, cereais, manteiga e bebidas.
Os
consumidores despenderam por menos produtos, no lapso de um ano, mais 567
milhões de euros, que acresceram aos resultados da grande distribuição.
Os
combustíveis sobem escandalosamente e a empresa com o cunho português no
mercado, nos três trimestres do ano em curso, arrecadou mais 608 milhões de lucros, como o
noticiaram, há dias, os jornais.
A pergunta que
cumpre fazer é simples: o Estado não tem forma de pôr cobro a esta situação de
molde a atingir-se níveis de justiça social mais adequados?”
1.
Por se ter como essencial
assegurar o acesso a produtos das fileiras da saúde e higiene, foi
indispensável garantir a sua disponibilidade a preços justos e não
especulativos durante a emergência e o estado de calamidade sanitária que se
lhe seguiu: donde, ter vindo a lume o
Despacho n.º 3803-A/2021, de 14 de Abril, dos Ministros da Economia e da
Saúde, por forma a sustar a ganância que se instalara ante a procura inusitada
de tais produtos e o “normal” funcionamento do mercado.
2.
Daí haverem sido cerceadas as margens
de lucro na comercialização, por grosso
e a retalho, de dispositivos médicos e de equipamentos de protecção individual,
bem como de álcool etílico e de gel
desinfectante cutâneo de base alcoólica, como de testes rápidos destinados a
leigos (auto-testes), que se limitaram a um máximo de 15 % em qualquer dos elos
da cadeia.
3.
Perante as circunstâncias, há
manifesto paralelo com os produtos de um qualquer cabaz alimentar constituído
por géneros alimentícios processados e não processados, enquanto a situação de
beligerância na Europa perdurar e os seus reflexos no comportamento do mercado
se verificarem.
4.
Parece simples – e decerto as
circunstâncias confirmá-lo-ão: há que pôr termo, por um lado, à espiral de
preços e a que se assiste e, por outro, aos lucros desmedidos por essa via
“caídos dos céus”, que o próprio Estado reluta em taxar, permitindo assim
desequilíbrios acentuados e um empobrecimento galopante das populações, com o
esmagamento das classes médias e os desequilíbrios que ora preocupantemente se
registam.
5.
Basta, por conseguinte, redefinir um elementar cabaz alimentar, a sua
composição, elegendo produtos a que se condicionariam as margens de lucro no
comércio grossista como no retalho,
enquanto a actual situação persistir: “para
grandes males, grandes remédios”.
6.
Fazendo outrotanto à fileira dos
combustíveis, que agravam desmesuradamente as suas margens de lucro, num
despudor inaudito que não há coragem de contrariar… antes congeminando
paliativos que não conseguem, de resto, proporcionar preços equilibrados no
abastecimento: com o que daí decorre para a generalidade das bolsas, à míngua
de liquidez…
EM
CONCLUSÃO:
a.
Perante a escalada de preços em razão
da situação de beligerância na Europa, parece poder o Governo lançar mão,
enquanto as circunstâncias perdurarem, de medidas excepcionais tendentes à
limitação das margens de lucro tanto no comércio por grosso como a retalho.
b.
Análogas medidas tomou o Governo no
decurso da pandemia, ao estabelecer margens de comercialização, estritas mas
confortáveis, para produtos como dispositivos médicos e de equipamentos de
protecção individual, bem como de álcool
etílico e de gel desinfectante cutâneo de base alcoólica, como de testes
rápidos destinados a leigos (auto-testes).
Convém atentar
efectivamente na situação, que tende a agravar-se sem que quaisquer medidas se
adoptem, permitindo que o mercado tome as rédeas ao processo e explore
escandalosamente a massa de consumidores que não pode deixar de comprar
porque de produtos de primeira necessidade se trata,
Mário Frota
presidente emérito da apDC – DIREITO DO CONSUMO - Portugal